terça-feira, 11 de outubro de 2022

Asas


Sinto as minhas asas a nascer.
Em maio passado senti dores horríveis nas costas. Parecia que um objeto cortante as perfurava, no sítio das omoplatas. Ai, tanta dor. Os sintomas do mundo físico indicaram que eu estava com COVID, mas eu sentia que era uma transformação espiritual que se estava a processar em mim. Na minha intuição, eu via asas que queriam sair das minhas costas. Eu sentia que o meu corpo físico estava a mudar e a nível espiritual eu sentia a mudança. Não me perguntem como, há coisas que sentimos, sem ser necessário ver. 
Não me conseguia zangar por estar doente, eu sabia que iria ficar bem, eu tinha uma confiança interior muito forte que era uma fase passageira e que eu precisava de passar por ela. “Era preciso”, dizia-me uma voz interior. “É preciso que assim seja”. E eu aceitei. Entreguei ao céu e confiei. Algo que aprendi a fazer. E é mágico. Pois eu aprendi que o que tiver que ser, será.

Desde essa altura, sinto que estou diferente. É como se um manto negro tivesse saído de cima de mim e voasse para longe. Agora, a vida faz mais sentido. Já não me zango tanto. Não me tornei santa, não, mas passei a entender melhor o propósito de estarmos aqui neste planeta. Tudo faz mais sentido: o passado e o presente. Sinto maior leveza em mim, sinto-me pacificada e tento trazer mais a luz aos outros.

Isto é um caminho e não um fim em si mesmo. Por isso digo que sinto as minhas asas a nascer. Para mim, as asas são sinónimo de leveza, da forma como quero encarar a vida terrena. Quero voar para o alto, passear pelo Universo, estar com anjos e seres de luz. E quando tiver que voltar, guardo as asas e caminho pelas paisagens lindas do nosso planeta, alegro-me sempre que puder, fico triste se assim tiver que ser, porque é essa a nossa missão aqui: experienciar emoções boas e menos boas. É essa a maior riqueza deste planeta: a dualidade. Aqui podemos vivenciar uma emoção e o seu contrário. O modo como as encaramos é que torna tudo tão especial. Podemos ter asas ou não. A escolha é nossa!

domingo, 9 de outubro de 2022

Manhãs no campo

     (foto do nascer do dia)

Pelo caminho de manhã
Bebo as cores da paisagem.
As retas levam aos campos pintalgados de árvores
Que ainda apresentam os tons de verão.
Aqui e além o panorama campestre
Vai ficando matizado de casas brancas e amarelas.
O sol, ainda baixo, bate nos olhos
Pestanejando de sonhos
A esperança de um novo dia.
As nuvens embora raras
São carneirinhos realçando o céu.
O horizonte parece uma tela pintada de
Laranja, salmão e rosa
Que se junta à paleta de azuis
Uma mistura da noite com o nascer do dia.
As vinhas ganharam cor e os homens juntam-se a elas
Descendentes de Baco cuidando da colheita do néctar divino. 
No Ribatejo é a harmonia com a natureza que torna tudo tão especial.

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Tagarelices e julgamentos



Esta tarde três senhoras de idade sentadas no banco do jardim conversavam. Uma falava, as outras ouviam. Foi uma hora assim. Uma falava, as outras ouviam. Os meus ouvidos latejavam de tanta tagarelice.

Estava à procura de um local para refletir em silêncio e o banco do jardim parecia convidativo. Vinha com intenção de me inspirar e escrever. E afinal consegui. Não propriamente sobre coisas belas e bonitas como esperava, mas a inspiração veio.

A senhora faladora contava histórias de tempos passados. Seria interessante ouvir, se não fosse o caso de que tudo o que dizia era julgamento acerca dos outros, daqueles que passavam.

Eu não quero, também eu, julgar a senhora (não a conheço), mas sem querer julgá-la, inevitavelmente, lá vou julgando. Faço um esforço e dou por mim a tentar analisar o que ela diz para que não pareça julgamento.

Apercebi-me que uma das três senhoras era freira, porque todos os jovens que passavam a cumprimentavam. Essa era a mais calada de todas.

A certa altura, a freira, pegou na sua bengala, levantou-se devagar e não sei se se fartou de tanto julgamento, disse que tinha de ir porque não podia estar muito tempo sentada. Passou por mim e sorriu com um ar sincero. Sorri de volta.

As outras duas senhoras continuaram na sua conversa opinativa sobre todos os que passavam.

Passou um senhor invisual e a senhora faladora contou a história de uma “cega preta” que acolheu em sua casa há uns anos e que era uma “chata” que queria fazer dela a sua “criada”, acabando por ter de “a despachar” dando a desculpa que precisava do quarto para o filho.

Depois passou uma moça com cerca de vinte anos. A moça olhou para elas, estas pararam de falar, cumprimentaram-na. Quando ela se afastou a senhora mais tagarela disse à outra: “Ai, esta menina quando era bebezinha era tão bonitinha, mas depois cresceu e fez-se tão feia, coitadinha. É a cara do pai, coitadinha”.

Fiquei sem palavras. E ri. A sério! Comecei a rir sem conseguir esconder. Se, no início, me senti incomodada com a conversa, no final, acabei por achar engraçado os seus comentários pois, por um lado, acabaram por me arrancar risadas espontâneas e, por outro lado, foram a minha fonte de inspiração para a escrita.

Que terão elas pensado ou dito de mim? Uma mulher aparece de repente com um caderno na mão e começa a escrever como se as linhas estivessem a fugir. Lá diz o povo: “Nas costas dos outros, vejo as minhas”.

Foram momentos verdadeiramente burlescos. A tarde estava amena, o banco chamava-me e eu estava com tempo para escrever. Não sabia sobre quê, mas o tema surgiu por si. Era a junção perfeita.

Conversas como estas são frequentes entre pessoas de idade e fizeram-me constatar que o ser humano ainda julga muito os outros. Olhamos tanto para os problemas e defeitos dos outros que nos esquecemos de ver o que está mal em nós próprios. Esquecemos que todos somos imperfeitos. São estes sentimentos que não nos acrescentam valor nem deixam que a nossa essência se manifeste. São estes sentimentos que temos de superar. Para algumas pessoas, como os idosos, pode ser tarde para mudar, mas todas as gerações mais novas ainda estão a tempo de o fazer. Todos, nos devemos comprometer em subir a nossa vibração para sentimentos mais elevados de paz, harmonia, compaixão, empatia, solidariedade e amor.