terça-feira, 4 de outubro de 2022

Tagarelices e julgamentos



Esta tarde três senhoras de idade sentadas no banco do jardim conversavam. Uma falava, as outras ouviam. Foi uma hora assim. Uma falava, as outras ouviam. Os meus ouvidos latejavam de tanta tagarelice.

Estava à procura de um local para refletir em silêncio e o banco do jardim parecia convidativo. Vinha com intenção de me inspirar e escrever. E afinal consegui. Não propriamente sobre coisas belas e bonitas como esperava, mas a inspiração veio.

A senhora faladora contava histórias de tempos passados. Seria interessante ouvir, se não fosse o caso de que tudo o que dizia era julgamento acerca dos outros, daqueles que passavam.

Eu não quero, também eu, julgar a senhora (não a conheço), mas sem querer julgá-la, inevitavelmente, lá vou julgando. Faço um esforço e dou por mim a tentar analisar o que ela diz para que não pareça julgamento.

Apercebi-me que uma das três senhoras era freira, porque todos os jovens que passavam a cumprimentavam. Essa era a mais calada de todas.

A certa altura, a freira, pegou na sua bengala, levantou-se devagar e não sei se se fartou de tanto julgamento, disse que tinha de ir porque não podia estar muito tempo sentada. Passou por mim e sorriu com um ar sincero. Sorri de volta.

As outras duas senhoras continuaram na sua conversa opinativa sobre todos os que passavam.

Passou um senhor invisual e a senhora faladora contou a história de uma “cega preta” que acolheu em sua casa há uns anos e que era uma “chata” que queria fazer dela a sua “criada”, acabando por ter de “a despachar” dando a desculpa que precisava do quarto para o filho.

Depois passou uma moça com cerca de vinte anos. A moça olhou para elas, estas pararam de falar, cumprimentaram-na. Quando ela se afastou a senhora mais tagarela disse à outra: “Ai, esta menina quando era bebezinha era tão bonitinha, mas depois cresceu e fez-se tão feia, coitadinha. É a cara do pai, coitadinha”.

Fiquei sem palavras. E ri. A sério! Comecei a rir sem conseguir esconder. Se, no início, me senti incomodada com a conversa, no final, acabei por achar engraçado os seus comentários pois, por um lado, acabaram por me arrancar risadas espontâneas e, por outro lado, foram a minha fonte de inspiração para a escrita.

Que terão elas pensado ou dito de mim? Uma mulher aparece de repente com um caderno na mão e começa a escrever como se as linhas estivessem a fugir. Lá diz o povo: “Nas costas dos outros, vejo as minhas”.

Foram momentos verdadeiramente burlescos. A tarde estava amena, o banco chamava-me e eu estava com tempo para escrever. Não sabia sobre quê, mas o tema surgiu por si. Era a junção perfeita.

Conversas como estas são frequentes entre pessoas de idade e fizeram-me constatar que o ser humano ainda julga muito os outros. Olhamos tanto para os problemas e defeitos dos outros que nos esquecemos de ver o que está mal em nós próprios. Esquecemos que todos somos imperfeitos. São estes sentimentos que não nos acrescentam valor nem deixam que a nossa essência se manifeste. São estes sentimentos que temos de superar. Para algumas pessoas, como os idosos, pode ser tarde para mudar, mas todas as gerações mais novas ainda estão a tempo de o fazer. Todos, nos devemos comprometer em subir a nossa vibração para sentimentos mais elevados de paz, harmonia, compaixão, empatia, solidariedade e amor.

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