quinta-feira, 8 de setembro de 2022

A encosta

Corro pela encosta…leve, alegre, saltitante. Roço as minhas mãos pelas flores e corro. Por cima de mim tenho um céu azul lindo, com nuvens, mas sempre lindo. Aqui em baixo, tenho flores à minha volta. Parecem girassóis, mas com pétalas brancas e são amarelos no centro.

Sou menina ainda. Corro descalça, com um lenço meio encardido na cabeça e um vestido comprido em tons de azul, mas de aspeto pobre. Ao fundo, lá em baixo, vejo um rio e eu corro na direção dele. Não tenho medo, sei que o consigo atravessar. Já o fiz centenas de vezes. Isso dá-me liberdade. Agora já estou a chegar àquela casa. Branca, grande. Entrei na cozinha, também ela grande. Está agitada, que azáfama! Estão a cozinhar. Uns entram outros saem, todos desempenhando tarefas de forma apressada. Procuro escapar dali, mas fui notada.

Agora estou a descascar batatas e cenouras. Foi aquela senhora anafada. Puxou-me e deu-me um utensilio cortante, uma espécie de faca. Não gosto, tento fazer aquilo o mais rápido possível. Eu gosto é de andar a contemplar a natureza. E começo a divagar enquanto corto os alimentos. Os meus pensamentos vão para longe. Lá para fora. Para a encosta e para as flores. Para o rio… Mas… sou sacudida, deixei cair um alimento ao chão. Tenho de ter atenção ao que faço. Sinto que é aquilo que tenho de fazer, é algo imposto. Um trabalho. Quero ser alimentada, tenho de trabalhar.

Subitamente, alguém entra na cozinha por uma das portas vinda da casa. A senhora gorda, esconde-me atrás dela, largo tudo e manda-me fugir pela porta que leva ao exterior. Eu fico feliz. Não percebi, mas fiquei feliz. Afinal, lá vou eu, correndo em direção à minha encosta de flores. Ao meu lado, lá no alto fica o castelo. Não percebo se já lá estive. Mas, não é importante. Quero a minha encosta. Primeiro passo o rio…Que água tão cristalina, tão fresca! Aproveito para me banhar nela…com roupa e tudo. Não tem mal, depois seco ao sol e ao vento. Termino os mergulhos, já estou cansada. Subo a minha encosta, custa mais! É a subir, a roupa está molhada… Quando chego ao cimo, deito-me para secar. Dali vejo o céu e estou ladeada pelas minhas flores brancas e amarelas. Que lindo é o mundo. O que pode haver de melhor na vida. Deixo-me ficar e…adormeço.


Acordei nessa manhã de abril e lembrei-me de tudo. Lembrei-me de cada pormenor, como se tivesse acabado de acontecer. E tive a certeza que não foi um sonho, foi uma lembrança de uma vida passada. Pensei: “Há quanto tempo terá acontecido tudo isto? Que bom! Sentia-me mesmo bem. E se pelo menos eu encontrasse esse lugar? Se ele ainda existisse? Onde seria? Portugal? Não. Lembra-me a Irlanda. Será lá? Bom, quem sabe, um dia saberei.”

Depois desse “sonho”, voltei a visitar o mesmo local. Numa das vezes, eu já era uma jovem e o sonho voltou a ser feliz. Numa outra vez, voltei a visitar aquela jovem, mas o sonho não terminou de forma feliz. Trouxe muito sofrimento. No entanto, o que guardei dessas minhas "viagens", foi a minha encosta e o castelo no alto. Ah, se eu soubesse onde era! 

Há duas semanas, cerca de seis meses depois do primeiro "sonho", enquanto percorria a internet, deparei-me com uma foto de um lugar muito parecido com a minha encosta. Quase idêntico. Onde seria? A minha curiosidade aumentou. Agora não poderia perder a oportunidade de saber. Durante alguns dias, fiz diversas pesquisas e finalmente descobri. Fiquei feliz. Sim, fica em Portugal. Fica a 280km da minha vila, mas sim existe. Eu nunca lá estive, pelo menos, nesta vida. Mas a encosta ainda existe, o rio e o castelo também. As flores também existem, sejam iguais ou parecidas, não importa. São amarelas e brancas. 

1 comentário:

  1. Uhau!!! viajei contigo, e fui ás minhas memórias, fizeste-me sentir muitas emoções. Fiquei feliz porque já só consegui sentir alegria e gratidão por tudo o que vivi. Grande abraçode luz.

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