sábado, 3 de setembro de 2022

O cão


Todos nós temos momentos de irracionalidade, momentos em que não pensamos direito nas nossas ações, apenas reagimos. Eu já tive alguns momentos desses e na altura reagi sem pensar que o desfecho poderia ser negativo para mim!

Eu adoro animais, principalmente os nossos amigos gatos e cães. E não suporto ver crueldade para com os animais. Há muitos anos, no inicio da minha carreira profissional, fui a uma entrevista de emprego. Como não era propriamente perto da minha residência, tive que ir de comboio. No regresso, tive que aguardar muito tempo pelo comboio e, como não havia qualquer comércio ali por perto, resolvi esperar na estação. Lembro-me que a estação era velha, escura e os bancos, ainda de madeira, estavam sujos e não convidavam a sentar, principalmente estando eu vestida de branco. Então fiquei de pé.

Passado algum tempo, não sei precisar quanto, notei que na mesma plataforma, mas uns metros afastados de mim, estava um homem na casa dos 40 anos, vestido com roupa gasta, suja e perto dele passava um cão. Não me parece que o cão fosse dele e o tivesse acompanhado até à estação, porque na verdade, o que me lembro de pensar era que o cão já costumava andar por ali na estação e estava a tentar aproximar-se do homem. O cão estava em má condição física e coxeava muito. Quando dei verdadeira atenção à situação, já o homem enxotava o cão e dava-lhe pontapés. E o cão, fraco e com tanta dor, deitou-se no chão, não se mexia, gania e enroscava-se o mais possível a cada pontapé que levava.

Eu, incrédula, comecei a olhar para a situação e revoltada, olhava para as outras pessoas, poucas, que estavam na estação na tentativa desesperada que alguém fizesse alguma coisa. Mas lembro-me que todos eles viraram a cara como se não estivesse a acontecer nada. Cada vez que ouvia o cão queixar-se com dor, era mais um pontapé que levava e mais um baque que o meu coração sentia. Eu não sei quanto tempo eu fiquei a pensar no que podia fazer, minutos? segundos?...

Decidida a fazer alguma coisa, porque ninguém fazia nada, sem pensar, eu dirigi-me ao homem e quando cheguei perto dele, num impulso, puxei a mão bem atrás e dei-lhe uma bofetada na cara com toda a força que tinha! E disse-lhe: “E então? Gostou? Também gostava que lhe fizessem o mesmo? Deixe o animal em paz porque ele não se pode defender, mas eu estou aqui para defendê-lo. Imagine que era você ferido ali no chão e uma pessoa a dar-lhe pontapés. Gostava?”

O homem ficou petrificado. Estava perplexo com a minha atitude, não teve reação e nem conseguiu dizer nada. Foi embora da estação a passos largos e de cabeça baixa.

Eu estava literalmente fora de mim que nem me dava conta do comportamento que tinha tido. Continuava com sentimento de revolta dentro de mim por ver tanta crueldade. Mas só pensava no cão. Assim, baixei-me para ver o estado de saúde do cão. Foi então que me apercebi que ele coxeava porque tinha uma ferida exposta na anca, provavelmente de algum atropelamento com carro ou comboio. No meu pensamento só pensava como salvá-lo e como poderia fazer para o levar ao veterinário, mas para isso teria de o levar no comboio. Enquanto pensava em tudo isto, olhei à minha volta e foi então que me apercebi da dimensão do que tinha feito: o susto na cara das pessoas, o seu olhar perplexo… Uma senhora aproximou-se de mim e deu-me os parabéns pela minha atitude, outros disseram que eu fui muito corajosa e destemida, mas também houve quem dissesse que eu fui inocente e me coloquei em perigo, pois o homem já costumava andar pela estação, fazia sempre coisas que não devia e tratava mal as pessoas. Ele podia ter-me feito mal. Além de que era bem maior e mais forte do que eu...

Mas eu não pensei, agi. Não estava orgulhosa da minha atitude, mas no momento apenas pensei que se ninguém fazia nada, eu teria de fazer alguma coisa. Parti para a violência, o que nunca é justificável, mas no momento resultou, porque apanhando o sujeito desprevenido com a minha atitude, ele parou com a sua crueldade. Foi como se eu o tivesse acordado de um transe…

Infelizmente, acabei por ter de deixar o animal na estação porque na bilheteira disseram-me que o cão não poderia ir no comboio. Eu expliquei, mas nem assim. Não era permitido. Além disso, quando voltei da bilheteira minutos depois, e me tentei aproximar dele, ele já se afastava para longe da plataforma, para longe das pessoas, coxeando com uma pata no ar, olhando para trás com ar triste, desolado.

Esta história verídica passou-se há mais de 25 anos, mas marcou-me de tal forma que ainda hoje penso que poderia ter feito muito mais do que aquilo que fiz no momento. Nem é o momento da bofetada que recordo vivamente, mas sim a tristeza no rosto do animal, a desilusão, enquanto se afastava, como se estivesse desiludido connosco, pessoas.

1 comentário:

  1. Amei....... Também sou defensora dos animais nossos irmãos.
    Trata_los e ama-los com respeito como a nós mesmos.
    Abraço....

    ResponderEliminar