sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Adoro ser professora


Adoro ser professora. É algo que vem de dentro, da minha alma, da minha essência.

Não partilho da ideia de ‘ensinar’. Para mim, isso é apenas transmitir e eu não ‘ensino’ porque aprendo tanto com eles, todos os dias. Sinto que faço partilha. Sou uma ‘partilhadora’ de conhecimentos. Eu partilho o que sei e eles partilham comigo o que sabem. Assim, sinto-me sempre jovem, atualizada. Sei as tendências da moda, da música, das tecnologias, do calão, do comportamento, é incrível. Às vezes, confundo-me no meio deles e esqueço a minha idade.

Costumo dizer que sou uma orientadora de saberes, uma mentora, uma “descobridora” dos seus talentos. Porque aqui reside a maior dificuldade dos nossos jovens. Eles não precisam de professores. Atualmente esta nova era, estas novas gerações de crianças e jovens sabem exatamente o que querem aprender, o que gostam ou não e não querem fazer frete. Não querem apanhar ‘seca’ e, pequenos ou grandes, eles dizem isso aos professores, não estão com “meias medidas”. Não precisam de professores que lhes digam: “É assim e é assim que tens de aprender ou saber ou fazer, porque eu digo.” Eles não querem isso. Eles questionam. Eles perguntam, “Porquê? Para quê?” Eles sabem o que gostam, mas não sabem é como procurar a informação que pretendem ou, principalmente, onde encontrar informação verdadeira, credível, fidedigna. E quando descobrem o que gostam, não sabem como transformar isso em algo real. Aí está o papel do professor/mentor. Aquele que vai tentar entender a cabeça do seu aluno, os seus interesses e tentar descobrir os seus talentos. Aí entro eu, sim. Aí sinto-me bem. A ajudá-los. A ouvi-los.

Lembro-me dos rostos felizes das crianças e jovens com quem já tive o prazer de partilhar uma sala. Foram bons momentos, muitos deixaram saudades. Criei amigos. Claro que nem tudo foram rosas. Estas têm muitos espinhos. A sociedade queixa-se que as crianças e os jovens estão cada vez mais mal-educados, malcomportados. Em parte, é verdade, sim. Mas é preciso olhar pela perspetiva deles. Tudo à nossa volta evoluiu, tudo. Até a Física Quântica veio provar que somos feitos de energia, constituídos por átomos e que tudo à nossa volta nos afeta emocionalmente e fisicamente.

Já fomos tão longe, mas a educação em Portugal, pelo menos, no plano da escolaridade obrigatória tem um longo caminho a percorrer, muito longo mesmo. E começa na coisa mais básica que é a planta das salas de aula. Mais de 60 anos depois continuamos a ter ‘autocarros’ nas salas de aula, giz, mesas e cadeiras pequenas tendo os alunos que se sentar com as pernas do lado de fora da secretária. As escolas que felizmente têm computadores, estão todos obsoletos: ou não trabalham ou são muito lentos. Nem comportam os suportes de dados que temos hoje. Temos uma gigantesca ‘bola de neve’ por resolver que passa por ninguém querer ser professor porque os que ainda resistem estão cansados, envelhecidos e querem, merecidamente, ir para a reforma e os novos sabem as tormentas da classe e nem tentam enveredar por ela. Fogem.

Hoje perguntei a uma turma de meninos de dez anos o que queriam ser quando fossem grandes. As respostas foram curiosas, engraçadas, reveladoras da evolução da sociedade, mas quando perguntei se alguém queria ser professor, as respostas foram: “Nem pensar. Os professores sofrem tanto!” Ficou ali tudo dito. Pequenos sábios. 

Mas apesar disso, eu gosto de ser professora. Na verdade, não gosto de teoria e nem gosto que seja uma coisa imposta, mas que me sejam dadas asas para colocar a minha criatividade a funcionar. Que eu possa fazê-los pensar ‘fora da caixa’. “Xi, lá vem a professora com a caixa outra vez”, dizia uma aluna quando eu pedia à turma algo diferente. Mas ser professora para mim, só faz sentido assim. Faz sentido eu perceber que os alunos sentem que eu gosto deles, interesso-me por eles, ouço-os, ajudo-os, não discrimino, não julgo. Não sou perfeita, mas pretendo continuar a melhorar para, desta forma, continuar a ajudar as crianças e os jovens com quem me cruzo a tornarem-se, se possível, pessoas melhores. A tornarem-se no nosso futuro.

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Mansinho

Mansinho, o gato do meu coração... Agora consigo escrever sobre ti ... 

As lições só nos podem vir de quem está mais próximo. E o Mansinho trouxe-me uma grande lição, ou melhor várias lições. 

Há quase três anos, numa manhã fria de novembro, o Mansinho entrou na minha vida. Eu tinha estado a alimentar os gatos de rua à noite, chuviscava e estava muito frio e ele tinha lá estado; já o conhecia, era manso e atrevido, independente e misterioso. Custava-me muito vê-los aí, a comer à pressa debaixo do carro, cheios de medo e de frio. O Mansinho tinha pedido várias vezes para entrar, mas não o deixei. Nessa noite, quando fechei a porta, ele tinha ficado no limiar da porta.  De manhã, doze horas mais tarde, ainda lá estava, no mesmo sítio. Senti que o Universo me estava a dizer que ele veio para entrar na minha vida. Abri-lhe a porta e entrou. Poucos dias depois ficou doente, as glândulas salivárias estavam aumentadas, ele mastigava, mas não engolia, emagrecia a olhos vistos. Para dar entrada na veterinária era preciso dar-lhe um nome, ficou Mansinho. Foi operado e recuperou bem, felizmente. Era mesmo muito manso e ao contrário dos outros gatos da casa, não procurava os lugares mais confortáveis para dormir. Gostava de variar de sítio, de experimentar as bancadas da oficina, o cesto da roupa, o lavatório, os móveis mais altos, a impressora, e de noite gostava de dormir à porta do meu quarto, como os grandes felinos na Roma antiga que dormiam a porta dos seus tutores. 

Quando lhe pegava ao colo sentia um Amor tão grande que não tinha sentido com nenhum dos outros quatro gatos que me eram próximos.

Há dois anos, o Mansinho tinha desaparecido durante dois dias e eu fiquei tão ansiosa, com o meu karma de apego à flor da pele. Sentia a falta dele como se tivesse desaparecido da face da Terra.

Num dia de maio do ano passado, o Mansinho despareceu sem deixar rasto. Às vezes estava mal-humorado com os gatos companheiros da casa e muitas vezes com os da rua. Quando saiu, num sábado, veio até à porta de entrada como que para se despedir, e depois partiu … Pensei que iria regressar depois da Lua cheia de domingo, mas não voltou ... Procurei-o, chamei-o por todo o bairro, de dia, de noite, nada … Aos poucos percebi que não voltaria… Provavelmente se teria escondido para morrer sossegado como os gatos muitas vezes fazem … Comecei a aceitar a me fragilizar, finalmente chorei, deixei de focar nele, no que tinha feito, para começar a focar em como me sentia, na tristeza enorme que sentia no meu peito. A vida me estava a propor um desapego forçado, já que não tinha conseguido desapegar quando ele ainda estava na minha vida; comecei a me pôr em causa, a entender que ele afinal precisava de mais liberdade, liberdade para se reinventar todos os dias, sem a sombra da minha preocupação de que lhe poderia acontecer alguma coisa … E chorei por não ter conseguido aproveitar de uma forma mais evolutiva o tempo que ele esteve comigo. Passada uma semana escrevi aos meus amigos uma mensagem de homenagem ao Mansinho : << … Foi uma lição que me deu, na vida e na morte : como viver e como morrer com dignidade. Ele, um verdadeiro felino, deixou-se tratar por duas vezes, na doença. Desta vez, provavelmente sentiu que tinha que ir. E foi com a dignidade própria de um felino. Até sempre, Mansinho ! Espera por mim to topo de Arco-íris ! Foste uma prenda do Céu na minha vida ! >> e comecei o meu luto …

Uns dias mais tarde, grande felicidade, apareceu o Mansinho, muito carente de festas, mais magro, esfomeado ... Eu estava muito contente e senti que ele tinha voltado para eu ter a oportunidade de treinar o meu desapego… a vida o tinha trazido de volta para continuar a me ensinar. Comecei a lhe dar mais liberdade …

O tempo passou e parte da lição ficou esquecida… de noite sempre o fechava em casa… Eu, no fundo, sentia que deveria respeitar os pedidos dele, mas o meu ego, a zelar pelo apego disfarçado de proteção, não me deixava … e eu me conformava com o “mais confortável” …  

Este ano, no final da primavera, dois dias antes da Lua cheia de maio, o Mansinho foi para a arvore do pátio, um jacarandá, e ficou a dormir em cima dum ramo grosso todo o dia, olhando para mim enquanto estava a trabalhar. Ao pôr do Sol, quando o chamei para comer, ele apanhou na direção oposta. Ainda fui abrir uma claraboia e quando me sentiu perto, desatou a fugir pelos telhados vizinhos até que o perdi de vista. Senti uma rejeição enorme, que já tinha sentido com pessoas, em tempos. A minha mente procurava incessantemente motivos para o que tinha acontecido, soluções rápidas, pensos rápidos, procurava o que poderia ter levado a este desfecho … Uma procura feita no campo errado … estava nervosa e me sentia injustiçada de o Mansinho me rejeitar assim … Finalmente comecei a cair em mim, na tristeza de as coisas serem assim … Fiz terapia da dor da rejeição, AUTOCURA, mas guardando em pano de fundo a ideia que ele ainda há de voltar, está é “mal comportado”, o que fazia como que eu não me rendesse por completo … Eu sabia que está tudo milimetricamente orquestrado no Céu e estava a limpar dores muito profundas, de vidas passadas de apego e rejeição. Um dia pedi ao Livro de Amor da Alexandra Solnado, uma mensagem. Recebi a mensagem 84, Insulto. Comecei a integrar, a interiorizar que, o que aconteceu não era contra mim, eu não era o centro do Universo e as coisas não giram à volta de mim, mas há um movimento próprio universal e, eu e o Mansinho fazemos parte desse movimento. A minha perspetiva mudou. Conseguia olhar para cima, para o ramo onde o Mansinho tinha estado antes de partir, e ver por trás o Céu. Grande lição, ao encarar a minha dor de apego, o Céu me amparava. Cada vez que atravessava o pátio, dezenas de vezes por dia, olhava para cima e via o ramo e o Céu e comecei a sentir gratidão pela lição - o meu karma de fé estava a ser trabalhado ao mesmo tempo – e sentia a ligação ao Céu cada vez mais forte. Nas meditações de AUTOCURA, no meu Templo, começou a aparecer o Mansinho, em Luz. Primeira vez, fiquei admirada e não lhe liguei. Quando apareceu segunda vez peguei nele e ao peito, como fazia na matéria, e senti profundamente aquele Amor divino, fiz crescer esse Amor e me nutrir, era mágico. Cada vez que ia ao Templo de Cura ele estava lá a assistir e no fim eu pegava-lhe e fazia crescer o Amor. Percebi que a lição era sentir profundamente a vibração do Amor e fazê-la crescer na minha vida. Também fiquei tranquila porque, pensava eu, se vai ao Templo de Cura provavelmente passou e já não está a sofrer. Percebi que o Mansinho veio mesmo para me ajudar a limpar os meus karmas, amorosamente. Ele fez o que tinha de fazer, de acordo com o movimento da Vida, esse fluido energético de sabedoria. Ele escolheu cumprir com a lição, não foi por me rejeitar, mas por Amor por mim. O Céu fez-me entender como foi difícil ir embora. Quando desatou a fugir, ele escolheu cumprir o seu desígnio, se ficasse mais um segundo, já não teria capacidade de seguir. Tinha ficado a me olhar do cimo do ramo todo o dia, a sentir que tinha que fazer a escolha, e cumpriu, fez a escolha mais evolutiva. Percebi, finalmente percebi, como isso foi difícil para ele. E chorei, e me rendi, à Luz.

Três Luas cheias mais tarde, em meados de agosto, o Mansinho voltou. Quase que me tinha esquecido como é bonito … Gratidão Mansinho pelos ensinamentos !

Aprendi que a chave é a aceitação ; aprendi a honrar a minha Alma e a Alma do Mansinho. Agora, de noite, quando é hora de dormir, se ele quiser sair, abro-lhe a porta … Ele tem que viver feliz !

Isso aconteceu comigo, mudou a minha vida, fez-me subir mais uma oitava na espiral evolutiva, e inspirou mais pessoas nas suas relações com humanos.

Bem hajas Mansinho !

PS. Enquanto estou a escrever :



segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Desafios e emoções

Qualquer um de nós enfrenta diariamente desafios, maiores ou menores, mas todos enfrentamos. E desengane-se aquele que pensa que já está suficientemente espiritualizado para deixar que determinadas situações o afetem. Não é verdade. Nós vivemos na Terra e a Terra é um planeta dual, ou seja, existe sempre um lado bom e um lado mau, ou menos bom. Todos somos capazes de boas e de más ações. Por isso, todos temos qualidades e defeitos.

Há dois dias recebi a resposta que aguardava sobre um projeto. Foi positiva, mas quando vi a resposta tive um sentimento neutro. Ele não tinha sido aprovado da forma que eu idealizei. E na minha cabeça começaram a tecer-se considerações sobre a forma como ele se apresentava e surgiram também duvidas sobre as minhas capacidades. Enfim, a minha “cabeça estava a mil”. De tal forma me afetou que estava com vontade de recusar. Depois ponderei, analisei os prós e os contras e decidi aceitar o projeto.

Têm sido dias desafiantes e fui atingida por um turbilhão de emoções. Todos à minha volta me davam os parabéns, mas eu não me sentia feliz. E questionava-me: porque me sentia assim? Afinal, era o que eu tinha pedido!

O facto de estar no meu caminho de autoconhecimento, levou a que olhasse a situação sobre outra perspetiva. Fui ao fundo da questão e deixei vir as verdadeiras emoções, trouxe-as até ao meu peito (ele nunca me mente). Percebi que, na verdade, eu tinha idealizado o projeto de uma determinada forma e estava à espera que ele fosse aprovado tal e qual o que eu queria. O facto de isso não acontecer fez com que eu me sentisse frustrada, sentisse que era desprestigiante para mim, tendo em conta o meu passado e tudo o que já fiz e pensei na imagem que as pessoas iriam ficar de mim. Ou seja, eu estava a dar total controlo ao meu Ego e não à minha Essência e áquilo que eu queria mesmo concretizar. O meu Ego queria continuar a “puxar dos seus galões” e estava a começar a vitimizar-se, coitadinho, porque não tinha conseguido obter uma coisa conforme esperava. Até que, partilhando este sentimento com uma amiga ela me disse: “o que interessa é o COMO e não O QUE” e isso foi mágico. Realmente, ela estava cheia de razão. Então se eu estava a ter a oportunidade de pôr o meu projeto em marcha, porque haveria de me preocupar com O QUE iam pensar de mim ou com O QUE eu fazia! Isso é para o Ego, ele é que precisa disso. O importante é COMO faço, COMO concretizo o projeto, COMO posso ajudar os outros. Isso é o que faz sentido para mim.

Entretanto, hoje já tinha esta questão resolvida na minha cabeça, pensava eu, mas, afinal, tive mais um desafio. Descobri que afinal o projeto seria por um tempo muito limitado. “Meu Deus”, pensei eu, “que partida me pregaste!” Voltei a ficar frustrada. E, desta vez, por ser um curto período de tempo. Lá surgiram as dúvidas interiores e lá voltei a pensar em desistir do projeto. Mas como Jesus tem colocado no meu caminho anjos terrenos, ao falar com uma amiga (outra amiga), voltei a ter a minha resposta: “menos Ego, mais Fé…”, “às vezes são desafios à nossa resiliência”, “a humildade é muito importante no percurso espiritual”, “aprende a aceitar o que parece pouco”, “não sabes os desígnios que te esperam”. E ela estava certa. Eu, afinal, queria mesmo aceitar, independentemente de ser muito ou pouco tempo. Apenas arranjava desculpas para satisfazer o meu Ego.

Todo o caminho é uma aprendizagem e este passo é mais uma folha do meu livro da vida. Que grata estou por ter quem me ajude a confirmar o que sinto. Por ter quem me ajude a manter-me no meu caminho, a cumprir o meu propósito.

Partilho estas emoções para lembrar que a humildade é muito bonita. Não é por já nos considerarmos pessoas iluminadas que vamos começar a receber todas as bênçãos do mundo e tudo o que desejamos. Na verdade, quanto mais manifestarmos para o Universo algo que desejamos, mais ele retribui com o contrário. O Universo é como um espelho, ele dá-te o que está de acordo com a tua essência e não o que anseias ou desejas ter. E é importante lembrarmo-nos sempre que quem quer é o Ego, não é a nossa essência. Ele quer ter poder e quando não o tem, vitimiza-se (pelo menos o meu faz isso). O que o autoconhecimento traz é a capacidade para nos questionarmos sobre a nossa vida, sobre as nossas ações e anseios. Desta forma, já consigo ver não só o lado de fora do copo, mas também ver o lado de dentro. Mas, um passo de cada vez. O caminho faz-se caminhando…

domingo, 11 de setembro de 2022

Criança interior


Com certeza já ouviram falar da ‘Criança Interior’. Eu também. Mas confesso que quando ouvi pela primeira vez o termo, pensei: “Isto não tem a ver comigo. Criança interior? Não, eu já sou crescida o suficiente e tudo o que se passou quando eu era pequena, ficou lá atrás, bem arrumado no meu cérebro. Já não me afeta. O meu presente nada tem a ver com isto.”

Estava enganada. Depois de tantos anos, a minha infância apanhou-me e abriu gavetas que eu nem sabia que continham temas ultrassensíveis e que ainda mexem tanto comigo. Fui descobrindo que muitos dos meus atuais problemas, medos, atitudes, comportamentos, têm a ver com essa infância e com a criança que presenciou e viveu coisas que não sabia a marcariam. Para sempre…

O que vivi afetou as minhas relações interpessoais de diferentes formas, abalou a minha confiança nas pessoas, afetou a minha autoestima, incrementou os meus medos e as minhas inseguranças. Afinal, tenho uma criança interior a precisar de ser resgatada. Pegada no colo. Amada. Afagada. Porque precisa de curar essas mágoas, libertar essas dores e começar a viver uma vida mais plena, desfeita de nós energéticos.

Nunca ninguém julgue que o que nos acontece é fruto do momento, do acaso, das situações, das circunstâncias. Claro que não. Seria uma grande imprudência da nossa parte pensar assim. Se nós somos compostos por átomos e somos energia, tudo o que vivemos nesta e em outras vidas está impregnado nas nossas células e tem impacto naquilo que vivemos atualmente. Nós fomos atraindo tudo isso para a nossa energia. Estamos sempre a somar. Portanto, se a nossa infância foi desafiadora, difícil, sofredora, claro que, esses nós, se não fizermos nada para os tratar, irão nos acompanhar até à nossa vida adulta ou até mesmo para as vidas seguintes. Um nó mais outro nó, dá dois nós e quando vemos temos um novelo tão enrolado que nos sufoca. 

Vamos lá dar colinho à nossa criança interior, desfazer os nós para ver a nossa vida a fluir de forma harmoniosa. Cuidar dela é extremamente importante para que se desenvolva um equilíbrio emocional e uma autoestima sadia.

sábado, 10 de setembro de 2022

O rebanho

O despertador toca. Detesto, quando o despertador toca. Bato-lhe com a mão, de forma desorientada, sem olhar, até que se cale. Finalmente, consegui silenciá-lo. Mas ainda tenho uns minutos, viro-me e fico. Novamente, sou invadida por aquele barulho ensurdecedor que mais parece uma sirene de fábrica. Bolas! Outra vez? Mas eu já não o tinha desligado? Ai, ai. Eu já o tinha desligado, mesmo! Que horas serão? Dou um salto na cama e olho para o relógio. Ai, meu Deus, estou tão atrasada. Como é possível eu ter adormecido! Vou ter que apanhar o segundo comboio. Já perdi um!

Vou a correr para o duche que mal tem tempo de me molhar, de tão atrasada que estou. Visto as primeiras calças que me aparecem no armário, uma qualquer camisola quente, calço as minhas botas, visto o sobretudo, pego na mala, nas chaves e saio a correr de casa. Xi, nem me penteei. Passo as mãos pelo cabelo. Pode ser que não se note, é comprido! E corro. Nem tenho tempo para comer. Bem, quando chegar à estação, eu como. E corro. A pé ainda demoro uns dez minutos até chegar. Tem lá um supermercado e enquanto espero pelo comboio, tenho tempo de tomar o pequeno-almoço. E corro.

Cheguei. Suada de correr e caminhar apressadamente, mas cheguei. Oh, o supermercado está fechado! Porquê? E agora? Ainda faltam dez minutos para a partida e é uma viagem de trinta minutos. Agora que alternativa tenho, senão esperar. Sentada na paragem num banco de cimento frio e de paredes imundas, penso no meu dia que começa: Que dia! Mal começou e já estou ensonada, cansada, suada e cheia de fome e nem me penteei! Tem uma graça!

Será que é isto a vida normal de um trabalhador? Para sempre? Até ao final da sua carreira?

Ah, e corro um risco enorme de chegar atrasada! Se o comboio se atrasar (o que é normal)… Ora, vamos lá fazer o resumo: ao chegar à empresa, à qual poderei chegar tarde, terei de ir logo à casa de banho para mudar de roupa para não estar suada perto dos meus colegas (ainda bem que tenho sempre uma peça de roupa na empresa), mas primeiro tenho de pedir amavelmente ao senhor do bar para me preparar às escondidas o pequeno-almoço que terei de tomar na casa de banho para ninguém se aperceber. Ui, se o patrão visse!!

Uau! Este é o meu sonho de vida. Fazer isto todos os dias. Lá por volta dos trinta dá-me um ataque cardíaco e, pronto, tudo se acaba.

Finalmente chega o comboio. Vem apinhado de gente. Outra boa notícia. Tenho de ir de pé toda a viagem e coladinha a alguém. De manhã, cheiramos os patcholis todos uns dos outros. Que bom! E lá vamos nós todos, seres zombies, acabadinhos de sair à pressa das nossas camas, para nos dirigirmos todos para algum sitio. Perdida nestes pensamentos tenebrosos, noto que chegámos à estação principal. Agora, tal como nos outros dias, vamos sair todos do comboio e vamos todos para outra plataforma. Ainda temos mais um comboio para apanhar, até ao centro da cidade. São mais quinze minutos. Começamos a descer a escada que nos leva à passagem inferior, eu olho para aquele ‘mar de gente’, todos a caminhar na mesma direção… A meio da passagem paro…

Mas o que faço eu aqui? Parecemos um rebanho de carneiros. Todos a seguir um comando invisível, sem questionar porque têm de ir por ali! Parecemos robots. EU NÃO QUERO ISTO PARA MIM. A VIDA TEM DE SER MAIS QUE ISTO. E grito, muito forte, muito alto, mas ninguém ouve. É a minha alma a gritar. Não saem sons da minha boca, apenas sinto dor no meu peito. Um aperto enorme.

Sou abalroada. Passam todos por mim. Não é suposto nenhum dos “carneiros” parar e eu parei. Sou insultada. Sou empurrada. Porque parei? Estou maluca? Estou a cortar o fluxo, vão comentando. Por fim, eu penso: Não posso, penso eu. Não posso. Não quero mais. E começo a recuar. Começo a chorar enquanto recuo. Encontro a escada e sento-me num degrau a chorar. Já a multidão tinha terminado. Olho para cima e penso: 

Meu Deus, é isto que me está destinado? É isto que vim fazer ao mundo? Desculpa, mas eu não acredito! Tudo o que eu passei, resume-se a isto? Para sempre? Não pode ser. Eu pensava que tinha um propósito. Pensava que tinha uma missão. Eu pensava que vinha fazer a diferença. Tu disseste-me, quando eu era pequena. Mas afinal estou a fazer exatamente o mesmo há seis anos e todas estas pessoas fazem exatamente o mesmo há, não sei, quanto tempo. Isto não faz sentido! Eu quero fazer diferente. Elas não se questionam? Será que eu sou a única a pensar assim?


Eu tinha cerca de vinte e oito anos quando aconteceu este episódio. Mudei de emprego pouco tempo depois, apesar de estar estável. Desde essa altura, passaram mais de vinte anos. Tive muitos momentos na minha vida em que tive estes “ataques existenciais” e sentia-me presa com amarras a situações que não se identificavam comigo e senti a minha alma gritar muitas vezes. Ela sentia-se presa e dizia: “Tira-me daqui”. Sempre que me foi possível, eu tirei-a. Mudei de emprego muitas vezes, errei muitas vezes, sempre na busca, sempre a procurar algo com o qual a minha alma e eu nos identificássemos e nos sentíssemos uma só.

Agora entendo muito mais sobre a vida do que naquela altura. O ser humano quando não sabe para onde vai, imita, faz igual ao outro. Mais que não seja para não se sentir perdido no meio da solidão da multidão. E isso a mim sempre me fez confusão. Eu queria fazer diferente. Nem sempre fui entendida, talvez muitas vezes mesmo, não o tenha sido. Mas agora entendo que sempre estive certa. Eu procurei, mesmo errando, eu fui buscando.

Agora que iniciei um caminho de autoconhecimento mais espiritualizado, sinto que finalmente estou a trilhar o caminho certo. Vou recebendo bênçãos divinas e tenho a validação que sigo bem. Mesmo assim, nós não temos a visão completa. Apenas um vislumbre desse caminho. Conforme me disse ontem um ser iluminado que amo muito: “Vocês não sabem nada”. Muito grata, meu pai.

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

A encosta

Corro pela encosta…leve, alegre, saltitante. Roço as minhas mãos pelas flores e corro. Por cima de mim tenho um céu azul lindo, com nuvens, mas sempre lindo. Aqui em baixo, tenho flores à minha volta. Parecem girassóis, mas com pétalas brancas e são amarelos no centro.

Sou menina ainda. Corro descalça, com um lenço meio encardido na cabeça e um vestido comprido em tons de azul, mas de aspeto pobre. Ao fundo, lá em baixo, vejo um rio e eu corro na direção dele. Não tenho medo, sei que o consigo atravessar. Já o fiz centenas de vezes. Isso dá-me liberdade. Agora já estou a chegar àquela casa. Branca, grande. Entrei na cozinha, também ela grande. Está agitada, que azáfama! Estão a cozinhar. Uns entram outros saem, todos desempenhando tarefas de forma apressada. Procuro escapar dali, mas fui notada.

Agora estou a descascar batatas e cenouras. Foi aquela senhora anafada. Puxou-me e deu-me um utensilio cortante, uma espécie de faca. Não gosto, tento fazer aquilo o mais rápido possível. Eu gosto é de andar a contemplar a natureza. E começo a divagar enquanto corto os alimentos. Os meus pensamentos vão para longe. Lá para fora. Para a encosta e para as flores. Para o rio… Mas… sou sacudida, deixei cair um alimento ao chão. Tenho de ter atenção ao que faço. Sinto que é aquilo que tenho de fazer, é algo imposto. Um trabalho. Quero ser alimentada, tenho de trabalhar.

Subitamente, alguém entra na cozinha por uma das portas vinda da casa. A senhora gorda, esconde-me atrás dela, largo tudo e manda-me fugir pela porta que leva ao exterior. Eu fico feliz. Não percebi, mas fiquei feliz. Afinal, lá vou eu, correndo em direção à minha encosta de flores. Ao meu lado, lá no alto fica o castelo. Não percebo se já lá estive. Mas, não é importante. Quero a minha encosta. Primeiro passo o rio…Que água tão cristalina, tão fresca! Aproveito para me banhar nela…com roupa e tudo. Não tem mal, depois seco ao sol e ao vento. Termino os mergulhos, já estou cansada. Subo a minha encosta, custa mais! É a subir, a roupa está molhada… Quando chego ao cimo, deito-me para secar. Dali vejo o céu e estou ladeada pelas minhas flores brancas e amarelas. Que lindo é o mundo. O que pode haver de melhor na vida. Deixo-me ficar e…adormeço.


Acordei nessa manhã de abril e lembrei-me de tudo. Lembrei-me de cada pormenor, como se tivesse acabado de acontecer. E tive a certeza que não foi um sonho, foi uma lembrança de uma vida passada. Pensei: “Há quanto tempo terá acontecido tudo isto? Que bom! Sentia-me mesmo bem. E se pelo menos eu encontrasse esse lugar? Se ele ainda existisse? Onde seria? Portugal? Não. Lembra-me a Irlanda. Será lá? Bom, quem sabe, um dia saberei.”

Depois desse “sonho”, voltei a visitar o mesmo local. Numa das vezes, eu já era uma jovem e o sonho voltou a ser feliz. Numa outra vez, voltei a visitar aquela jovem, mas o sonho não terminou de forma feliz. Trouxe muito sofrimento. No entanto, o que guardei dessas minhas "viagens", foi a minha encosta e o castelo no alto. Ah, se eu soubesse onde era! 

Há duas semanas, cerca de seis meses depois do primeiro "sonho", enquanto percorria a internet, deparei-me com uma foto de um lugar muito parecido com a minha encosta. Quase idêntico. Onde seria? A minha curiosidade aumentou. Agora não poderia perder a oportunidade de saber. Durante alguns dias, fiz diversas pesquisas e finalmente descobri. Fiquei feliz. Sim, fica em Portugal. Fica a 280km da minha vila, mas sim existe. Eu nunca lá estive, pelo menos, nesta vida. Mas a encosta ainda existe, o rio e o castelo também. As flores também existem, sejam iguais ou parecidas, não importa. São amarelas e brancas. 

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Desanuviar

Triste ... a chorar com aquela falta de merecimento tão conhecida ... O aperto de desespero no peito, deixa-me um peso enorme e a Luz quase que não tem por onde entrar ... São sensações conhecidas que trazem uma tristeza profunda que parece definitiva... Esse choro de desespero que não é evolutivo, que só se retroalimenta. A Luz está lá mas parece inalcançável, sei que tudo depende da minha escolha. E escolho tentar me movimentar nesse fluido viscoso e peganhento dessa energia pesada, dessa energia que tem séculos nas minhas células. Sei que foram as minhas escolhas que me troxeram "aqui". A falta dEle é dolorosa, ao mesmo tempo sei que Ele esta em tudo, sei que está em mim, mas tenho dificuldade em sentir isso ... Resolvo tirar uma mensagem do Livro do Amor da nossa mestra Alex Solnado, esse livro que fala ao meu coração. Ao tirar as peças entrego-me ao que vier. Sai a Próxima Mensagem ... fico mais leve, afinal consigo ouvi-Lo ... Essa mensagem remete para Respostas do Céu que assenta como uma luva, parece que foi escrita para mim nesse mesmo momento ... choro ... Ensina como receber respostas do Céu sem ter que utilizar o livro ... são 5 passos ... mas a expectativa é grande ... é preciso prescindir dela ... Como sinto muito a falta de merecimento decido me focar nos primeiros três passos 1) Primeiro faz uma Autolimpeza Espiritual; 2) Depois fica só assim a prescindir de tudo o que não é teu; 3) Depois recebe a minha Luz; 4) Faz a tua pergunta; 5) E fica no zero até chegar a minha resposta. Para quem tem dificuldade, a preparação energética é feita repetindo os três primeiros passos. Estou mais confiante, consigo me entregar à experiência ... Começo a sentir Jesus, aquela plenitude indescritível invade-me. Pergunto se tem uma mensagem para mim e vem uma frase ... vou buscar rapidamente um lápiz e o meu caderno e escrevo. Sinto que vem dEle. Sei que é Ele que fala:
Quem és tu para decidires se tens ou não valor ? Quem és tu para decidires o valor dos meus filhos, incluindo tu ? O teu valor está no teu diamante, el traz a minha Luz.
Fico de coração cheio com a resposta dEle. A falta de merecimento dissipou-se, saiu de mim.
Pergunto : O que é para fazer amanhã ?
Praticar o Amor. Em tudo. Desde que acordas. É um jogo. Vais ter que descobrir, em cada situação como praticar o Amor.
Quer dizer mais alguma coisa ?
Só te dar um beijo na testa.

terça-feira, 6 de setembro de 2022

Autoestima

É incrível como uma mentira contada muitas vezes, torna-se uma verdade para a pessoa que a conta e, pelo menos, durante algum tempo (ou muito) para a pessoa que a ouve. Assim acontece com a autoestima. Ou, pelo contrário, com a falta dela.

Se alguém passar muitos anos a dizer-te que não prestas, que não sabes fazer nada, que todos são melhores que tu, que deverias ter vergonha, que és burra, que estás a ficar gorda, que estás a ficar feia, que estás a ficar velha, que não sabes cozinhar, que não sabes tratar bem da casa, do marido, dos filhos, da mãe, do pai, etc…, sei lá, tudo serve para te inferiorizar.

E então se for alguém da tua família ou com quem tenhas um relacionamento muito próximo, tu acabas por acreditar que essas pessoas têm razão. Afinal elas amam-te, pensas tu. Até agradeces a Deus o facto de as teres junto de ti para que elas te possam ajudar a perceber que afinal tens poucas qualidades que sejam admiráveis, que tens muito que te desenvolver para poderes ser melhor e tens ali uma pessoa do teu lado que te está a ajudar a fazer esse caminho pois vai-te dizendo as verdades que tu mereces ouvir. Que bom! Que grata te sentes! E agradeces a Jesus todos os dias por os teres na tua vida.

O problema é que à medida que os anos vão passando tu vais te apercebendo que todas as pessoas com quem trabalhas, sejam colegas ou mesmo os teus chefes, ou mesmo os amigos fora do ambiente de trabalho, te consideram uma pessoa muito competente, reconhecem-te inúmeras qualidades que tu esperavas ouvir daqueles a quem queres bem (da tua família) e não daqueles que acabam por ser temporários na tua vida. Mesmo assim ainda pensas: “Oh, aquela pessoa diz aquilo porque só me conhece aqui, neste ambiente. Se ela me conhecesse bem, se tivesse todo o tempo comigo, chegaria à conclusão que afinal eu não sou assim tão merecedora daquilo que ela diz sobre mim.”

Finalmente, um dia começas a despertar e começas a questionar-te: “Mas porque é que sou tratada de forma mais gentil, humana e respeitosa ‘fora de casa’ do que ‘dentro de casa’? Porque é que os outros reconhecem o meu valor, mas ‘em casa’ não?” Embora ainda seja um processo que demora anos até se tornar perfeitamente consciente no teu cérebro, tu já vais começando a fazer comparações diariamente. Chegas a casa e dizes: “Olha, sabes, hoje fui muito elogiada pelo meu chefe por ter desempenhado muito bem determinada tarefa.” ou “Hoje, consegui ajudar a empresa a obter um cliente que era muito difícil.” ou “Hoje ajudei os meus alunos a concretizarem um projeto espetacular”, são apenas exemplos, claro! E a resposta que obténs é: “O que é que isso me interessa? Pensas realmente que essas pessoas gostam de ti? Elas apenas dizem isso porque estás a fazer o que elas querem que tu faças! És um pau mandado. Deixas-te influenciar por tudo que te dizem!”.

Existem aqueles momentos em que tu te sentes um pouco melhor, mais animada, sentes que afinal tens valor porque, cada vez mais, o número de pessoas que te vai valorizando é maior e começas a subir a tua autoestima. Mas, depois, ouvindo amargas palavras como estas, pensas para ti: “Mas porquê? Porque é que é sempre assim? Porque é que não ouço uma palavra de alento? Uma palavra de reconhecimento?" E choras, choras muito, sem ninguém saber. Choras e pedes desculpa a Jesus por estares a agir assim, a sentires-te assim, a sentir que tens valor. E continuas a pensar: "Mas eu não me sinto superior aos outros. Eu reconheço o valor dos outros, mas eu também devo ter algum valor, não? Será que estou a pensar mal?" Há uma voz interior que diz que estás certa, mas depois, ali, ao teu lado, tens alguém que te mostra que te achas melhor que os outros. Pedes desculpa a Jesus e choras. É sempre o mesmo processo. Há muito tempo. E, assim, no dia seguinte, lá inicias o teu novo dia de cabeça baixa, porque afinal não vales assim tanto quanto pensas.
Até um dia...

Um dia, de repente, mudas a tela ao contrário e pensas: "Será que o mal está mesmo em mim? Ou será que o mal está naquela pessoa que mesmo afirmando que gosta de mim e que aquilo que diz é para o meu próprio bem, não consegue manifestar admiração por mim e, em vez disso, se sente inferior e, por isso, prefere humilhar-me para ela própria não se sentir diminuída?”

Este foi o ponto de viragem. É como se andasses anos cega e de repente começasses a ver. E com tanta clareza, meu Deus, que até magoa. Aí sim, começa a dor real, profunda, porque afinal iniciaste o teu processo de ENXERGAR A REALIDADE. E isso dói. Como pudeste ser tão cega? Tantos anos a ver apenas uma perspetiva, um lado, e afinal esqueceste que existem sempre dois lados da mesma moeda.

Então tu, que reconheces que todas as pessoas à tua volta têm valor, que todas as pessoas têm qualidades e defeitos, que todas têm talentos...!!! Se uma pessoa não tem talento ou não é boa a fazer nada, então porque Jesus a colocou na terra? Não tem lógica. Então, entendes: é porque TU TAMBÉM TENS VALOR!

E começas a perceber: “Espera aí? Algo aqui não está bem. Eu tenho confiança nos meus atos e nos meus pensamentos, então porque permito que uma pessoa me desvalorize tanto, ao ponto de eu me negar como pessoa? Afinal não é ela que está errada! Sou eu que estou errada! Essa pessoa está a fazer o papel dela, o caminho dela e está muito feliz por estar a conseguir atingir o objetivo a que se propôs em relação a mim. Quem sabe, terá uma evolução muito grande pela frente para fazer se quiser realmente mudar e melhorar o seu comportamento em relação aos outros. Mas isso é problema dela. Não meu. Eu tenho que fazer o meu caminho. E quanto a mim, eu é que estou errada. Sou eu que estou a permitir que me tratem assim. Sou eu que tenho que me valorizar e ver o apreço que os outros têm por mim e pelo meu trabalho. Eu tenho valor. 

É desta forma que tu começas finalmente a entender que, nem sempre aqueles que te são próximos (família, relacionamentos) são aqueles que te querem bem. Pode não ser por mal, até. Apenas não sabem ser de outra forma. Mas cabe a ti pensar se queres continuar a viver assim. É nessa altura, que tu começas a entender o verdadeiro significado daquela expressão popular: “Afinal se eu não gostar de mim, quem gostará!”

sábado, 3 de setembro de 2022

O cão


Todos nós temos momentos de irracionalidade, momentos em que não pensamos direito nas nossas ações, apenas reagimos. Eu já tive alguns momentos desses e na altura reagi sem pensar que o desfecho poderia ser negativo para mim!

Eu adoro animais, principalmente os nossos amigos gatos e cães. E não suporto ver crueldade para com os animais. Há muitos anos, no inicio da minha carreira profissional, fui a uma entrevista de emprego. Como não era propriamente perto da minha residência, tive que ir de comboio. No regresso, tive que aguardar muito tempo pelo comboio e, como não havia qualquer comércio ali por perto, resolvi esperar na estação. Lembro-me que a estação era velha, escura e os bancos, ainda de madeira, estavam sujos e não convidavam a sentar, principalmente estando eu vestida de branco. Então fiquei de pé.

Passado algum tempo, não sei precisar quanto, notei que na mesma plataforma, mas uns metros afastados de mim, estava um homem na casa dos 40 anos, vestido com roupa gasta, suja e perto dele passava um cão. Não me parece que o cão fosse dele e o tivesse acompanhado até à estação, porque na verdade, o que me lembro de pensar era que o cão já costumava andar por ali na estação e estava a tentar aproximar-se do homem. O cão estava em má condição física e coxeava muito. Quando dei verdadeira atenção à situação, já o homem enxotava o cão e dava-lhe pontapés. E o cão, fraco e com tanta dor, deitou-se no chão, não se mexia, gania e enroscava-se o mais possível a cada pontapé que levava.

Eu, incrédula, comecei a olhar para a situação e revoltada, olhava para as outras pessoas, poucas, que estavam na estação na tentativa desesperada que alguém fizesse alguma coisa. Mas lembro-me que todos eles viraram a cara como se não estivesse a acontecer nada. Cada vez que ouvia o cão queixar-se com dor, era mais um pontapé que levava e mais um baque que o meu coração sentia. Eu não sei quanto tempo eu fiquei a pensar no que podia fazer, minutos? segundos?...

Decidida a fazer alguma coisa, porque ninguém fazia nada, sem pensar, eu dirigi-me ao homem e quando cheguei perto dele, num impulso, puxei a mão bem atrás e dei-lhe uma bofetada na cara com toda a força que tinha! E disse-lhe: “E então? Gostou? Também gostava que lhe fizessem o mesmo? Deixe o animal em paz porque ele não se pode defender, mas eu estou aqui para defendê-lo. Imagine que era você ferido ali no chão e uma pessoa a dar-lhe pontapés. Gostava?”

O homem ficou petrificado. Estava perplexo com a minha atitude, não teve reação e nem conseguiu dizer nada. Foi embora da estação a passos largos e de cabeça baixa.

Eu estava literalmente fora de mim que nem me dava conta do comportamento que tinha tido. Continuava com sentimento de revolta dentro de mim por ver tanta crueldade. Mas só pensava no cão. Assim, baixei-me para ver o estado de saúde do cão. Foi então que me apercebi que ele coxeava porque tinha uma ferida exposta na anca, provavelmente de algum atropelamento com carro ou comboio. No meu pensamento só pensava como salvá-lo e como poderia fazer para o levar ao veterinário, mas para isso teria de o levar no comboio. Enquanto pensava em tudo isto, olhei à minha volta e foi então que me apercebi da dimensão do que tinha feito: o susto na cara das pessoas, o seu olhar perplexo… Uma senhora aproximou-se de mim e deu-me os parabéns pela minha atitude, outros disseram que eu fui muito corajosa e destemida, mas também houve quem dissesse que eu fui inocente e me coloquei em perigo, pois o homem já costumava andar pela estação, fazia sempre coisas que não devia e tratava mal as pessoas. Ele podia ter-me feito mal. Além de que era bem maior e mais forte do que eu...

Mas eu não pensei, agi. Não estava orgulhosa da minha atitude, mas no momento apenas pensei que se ninguém fazia nada, eu teria de fazer alguma coisa. Parti para a violência, o que nunca é justificável, mas no momento resultou, porque apanhando o sujeito desprevenido com a minha atitude, ele parou com a sua crueldade. Foi como se eu o tivesse acordado de um transe…

Infelizmente, acabei por ter de deixar o animal na estação porque na bilheteira disseram-me que o cão não poderia ir no comboio. Eu expliquei, mas nem assim. Não era permitido. Além disso, quando voltei da bilheteira minutos depois, e me tentei aproximar dele, ele já se afastava para longe da plataforma, para longe das pessoas, coxeando com uma pata no ar, olhando para trás com ar triste, desolado.

Esta história verídica passou-se há mais de 25 anos, mas marcou-me de tal forma que ainda hoje penso que poderia ter feito muito mais do que aquilo que fiz no momento. Nem é o momento da bofetada que recordo vivamente, mas sim a tristeza no rosto do animal, a desilusão, enquanto se afastava, como se estivesse desiludido connosco, pessoas.