sábado, 27 de agosto de 2022

A promessa

 Adoro animais! Todos. Consigo me relacionar com eles, consigo ver a Alma de cada um deles. Eles têm um lugar especial no meu coração. É um lugar sagrado, onde está sempre Sol.

Quando finalmente fui viver por minha conta, com 22 anos, o que mais me custou foi a separação deles. Vivia no bairro da Alcântara, em Lisboa, numa residência universitária e passava os fins de semana e os dias feriados na Tapada da Ajuda, que nessa altura ainda tinha muitas árvores e vegetação. Um dia vi lá um cão de caça em bastante mau estado, doente, e percebi que estava condenado se não fosse tratado. Tinha uma postura muito digna e depois de me farejar ficou a olhar para mim. Passaram 30 anos e recordo-me como se fosse ontem. Falei com ele, não tinha nada para lhe dar de comer. Estava cheio de feridas na pele e senti o meu coração a se partir por não ter coragem de lhe dar uma festa. Disse lhe o que sentia e expliquei-lhe que não o conseguia ajudar. Senti que entendeu e se foi  embora pela vinha até ao muro circundante. Subiu em cima do muro e de lá começou a enxergar na direcção oposta, a linda vista da ponte com o horizonte como fundo. Já não me ligava e o olhar dele ia para longe, na dignidade de quem procura o infinito e encontra Deus. Chorei rios ali, naquela tarde, por não o poder ajudar, chorei a minha impotência, chorei por ele estar doente, chorei pelo sofrimento dele. Foi ali que fiz uma promessa à mim mesma. Prometi-me que um dia, iria ajudar os animais em sofrimento que se cruzam comigo. E cumpri. Estou a cumprir. E isso me traz muita felicidade! 

Nunca comprei um animal, todos foram resgatados. Porque a Alma não se compra. Basta não fechar os olhos. A vida mostra, a vida traz. Só 12 anos mais tarde, consegui resgatar o primeiro animal, a gata Nikita, e 20 anos mais tarde a cadela Fiona. Foram companheiras de viagem para os momentos de alegria e de tristeza. Trouxeram bênçãos e ensinamentos. E sobretudo me ajudaram a me tornar uma melhor pessoa, com tanto Amor Incondicional que me deram. Hoje tenho um refúgio de gatos de rua na garagem da minha casa. Estão completamente livres, a entrar e a sair por uma manilha. Cada animal que se cruza comigo é uma bênção do Céu. 

Quando conheci a espiritualidade pela Alexandra Solnado, e li, numa mensagem da Luz de Jesus "eu estou no animal que não trataste“, o meu peito explodiu de felicidade, tudo que eu já sentia agora veio como ensinamento. 

AMT

terça-feira, 23 de agosto de 2022

Rejeição e reconhecimento

Era uma vez uma menina que passava o tempo a estudar. Tentava fazer tudo bem feito, perfeito, para que ninguém lhe apontasse defeitos. Fazia tudo a pensar que era isso que esperavam dela. Quando ouvia uma critica, não lidava bem com ela e, se alguém lhe dizia que algo não estava bem, mais ela se esforçava por agradar. No fundo, passava o tempo a querer ouvir uma palavra de reconhecimento.

Durante anos, esforçou-se na tentativa de obter essa palavra, de sentir orgulho por parte da sua família. Foi pioneira em muitas situações, em muitas ações, e, principalmente, tinha uma forma de pensar e de agir diferente do que era esperado do seu papel de mulher na sociedade. Mesmo assim, ela pensou sempre: “Um dia vou ouvir o quanto gostam de mim, mesmo com os meus defeitos, o quanto estão orgulhosos por tudo o que consegui, mesmo que em alguns momentos não tenham entendido as minhas razões ou decisões.” Mas não. Essas palavras nunca chegaram de quem ela queria. Ouviu-as de pessoas amigas, colegas e até mesmo estranhos, mas nunca as ouviu de quem ela sempre desejou.

Também pensou que provavelmente não as ouvia porque esperavam que ela fosse forte e que, em nenhuma situação, deveria mostrar fraqueza. Assim, enfrentava todos os “Golias” que lhe apareciam pela frente da melhor forma que conseguia, sem tempo para ficar com depressão, sem tempo para parar e fragilizar-se. Tinha a certeza que era isso que queriam que fizesse. Assim, iria ouvir as tão esperadas palavras de reconhecimento. Mas não. Nada. Novamente, ouviu-as de outros, mas não da família.

Até que, um dia, esta menina, agora já crescida, parou para refletir e a resposta veio através de uma leitura num livro: “…aceita vivenciar o que te está a ser proposto, seja o que for. Se não puderes mudar o rumo dos acontecimentos, fica, não fujas da dor. (…) Sente até ao fim. Chora, se for preciso. Só assim estarás pronto para arrumar o assunto e continuar a jornada. Jesus”. (“O Livro da Luz", Alexandra Solnado).

Afinal, eu estava a ver apenas uma perspetiva e esqueci que neste mundo existem sempre dois aspetos: o bom e o menos bom. Eu procurava o bom, desesperadamente. Até que entendi, que por vezes, é mesmo intenção do Universo que passemos por esses desafios para podermos evoluir. Se estamos a passar por determinada situação, não podemos sentir pena de nós próprios, temos de analisar: "porque atraí eu esta situação? O que é suposto eu aprender com isto?" Afinal, tudo está milimetricamente orquestrado pelo céu. E se eu atraí determinada situação é porque existe alguma aprendizagem para fazer. Assim, estou a aprender a aceitar e deixar fluir.

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Ser mãe

Penso muitas vezes se estarei a ser uma boa mãe. Faço o melhor que posso, mas como saber? Os bebés não nascem com livro de instruções!

Eu até sou boa a seguir as instruções do IKEA, ou de qualquer outra marca, quando compro um móvel para montar, mas os bebés não são móveis e, seguramente, não trazem nem o livrinho de instruções nem os parafusos. Muito menos os parafusos, esses às vezes davam muito jeito. Mas para nós, mães. Sim, porque em certas horas, ficamos completamente desaparafusadas.

Ninguém prepara as mães para o que aí vem. No inicio, os bebés choram, porque têm fome, porque têm frio, porque estão sujos, porque têm cólicas, porque sentem medo, porque… enfim, choram por tudo. E como é que eu conseguia distinguir? Porque chora ele agora? Tinha que fazer uma check-list: já vi a fralda, check; já dei a papinha, check; já vesti mais um casaquinho, check; bom, ele continua a chorar, então, devem ser cólicas, é o que sobra da lista. Ufa!

E eles aprendem tão rápido que é impressionante. Com o crescimento aprendem a fazer aquelas expressões, aquelas carinhas de safadinhos, que sabem perfeitamente vão fazer as nossas delicias e passam assim ao lado de um grande ralhete. Podem pintar as paredes da sala com os marcadores de todas as cores, podem arrancar as penas ao papagaio, podem pintar as unhas dos pés do avô enquanto ele dormita no sofá, …ninguém se chateia com nada. Até acham muita graça!

Atualmente, no meu papel de mãe de um adolescente, pergunto-me muitas vezes se deveria repreender o meu filho. E muitas vezes, quem me repreende é ele. Se faço uma asneira, já sei que ouço uma chamada de atenção do meu filho! E quando é o contrário, eu fico dividida entre ralhar com ele, ou adotar as técnicas todas de que falam os psicólogos, mas que, mais uma vez, não nos ensinaram antes de sermos mães.

Ser mãe é uma profissão de alto risco. Sem seguro, sem salário, sem fins de semana e sem férias. E não me posso demitir. Mesmo que esteja a desempenhar mal o meu papel. E estágio? Não tive. Foi tudo por intuição. Principalmente, a saúde. Sim, as doenças. A certa altura, eu já ligava à médica e era eu que lhe dizia a causa do problema, quais os sintomas, e o que ele deveria tomar. Só precisava da receita. A mãe conhece melhor o seu filho do que um médico que o vê uma vez.

Mas é difícil ser mãe. A cada dia, não se sabe o que vai acontecer, porque ainda não chegámos a esse capítulo do livro. Espera-se sempre que o livro tenha um final feliz e que um dia se possa dizer que foi uma história única e maravilhosa. Por mim, esta foi e é a melhor bênção que recebi na vida. 
E o amanhã? Estou à espera que saía o próximo livro da coleção…
CC

domingo, 21 de agosto de 2022

O Anjo

Na altura da Universidade, como estava longe, não ia muitas vezes visitar a família. Talvez uma vez por mês. Um dia, não tinha planeado viajar, mas por algum motivo, decidi ir. Foi uma decisão em cima da hora, pelo que não comprei os bilhetes de comboio com antecedência, como era costume. Mesmo assim tinha tempo de comprar antes de embarcar. Fiz as malas e pedi autorização para usar o telefone fixo da residência universitária (ainda não havia telemóvel) para ligar à minha mãe a informar que ia visitá-la. Constatei que não tinha dinheiro, mas como tinha de ir a pé até à primeira estação de comboios na baixa da cidade, onde apanharia o comboio que faria a ligação com o Intercidades, fui ao primeiro terminal multibanco que encontrei (naquela altura, ainda não havia muitos terminais). Não consegui levantar dinheiro pois estava fora de serviço. Tentei todos os terminais que encontrei no trajeto (cerca de 20 minutos a pé até à estação) e todos estavam fora de serviço. Claro que cada vez ficava mais nervosa, mas pensava sempre que no seguinte iria ser diferente. 
Ao chegar à estação não tinha dinheiro para comprar o bilhete para o Intercidades, mas lembrei-me que ainda tinha umas moedas e pensei: “Bem, compro o bilhete até à estação principal e, quando chegar, vou ao multibanco lá perto e levanto dinheiro para comprar o bilhete para o Intercidades. Esse com certeza estará a funcionar porque tem uma procura maior”. Assim fiz.

Depois de chegar à estação principal, fui a esse terminal de multibanco, que era a minha última esperança, e fiquei feliz porque não estava fora de serviço. Introduzi o cartão e… O multibanco reteve-o. Ou seja, ‘engoliu o cartão’. “Mas o que é isto? Isto não pode estar a acontecer-me! Que mal fiz eu a Deus?”

Eu, que sempre fui forte, comecei a tremer de raiva. Fiquei completamente cega de raiva, mas não chorei! Não podia chorar, porque não queria que me vissem chorar. Lembro-me que fui pensando “Porquê? Porquê? Porquê?”, enquanto flutuava até à estação (pois não me lembro de caminhar até lá). Fiquei uns minutos na sala de espera, cansada do peso das malas, cansada da situação, sem ação, sem conseguir processar o que me estava a acontecer. Estava quase a chegar a hora do comboio partir e eu, tentando ser lógica, tentando racionalizar a situação, tentando ser prática, pensava nas alternativas que tinha. Não queria dar o braço a torcer que tinha perdido aquela ‘batalha’, mas a única alternativa que eu tinha era voltar para a residência. E, ainda por cima, nem comida tinha para o fim de semana, porque não tinha dinheiro para comprar nada.

Como ainda tinha umas moedas comigo, fui a um dos telefones da estação, para ligar à minha mãe e avisar que já não iria. No inicio, tinha pensado dizer-lhe que afinal não ia porque era greve dos comboios. Não a queria preocupar. Mas quando ouvi a voz dela, desmanchei-me a chorar e até soluçava, enquanto lhe relatava mais ou menos o que me tinha acontecido. Ela ficou triste, preocupada e perguntou-me como ia fazer. Eu disse que não se preocupasse porque tinha passe do autocarro e ia regressar à residência.

Lá terminei a chamada e dirigi-me para a paragem do autocarro, arrastando as malas...e a mim. Desde o telefonema que não parava de chorar e assim continuava, mesmo na paragem e com pessoas a ver! Eu nem reparava nelas e só pensava como ia sair daquela situação. Nesse momento, derrotada, lembro-me de pensar: “Meu Deus, ajuda-me! Eu não sei o que fazer!”

O tempo que estive na paragem pareceu-me uma eternidade, mas na realidade, devem ter passado apenas uns minutos. E, de repente, um senhor com uma mala de viagem na mão, vem ter comigo e disse: “Olhe menina, posso falar consigo? Desculpe, não me leve a mal, mas eu estava na zona dos telefones e ouvi a chamada que fez para a sua mãe. Olhe, eu venho agora de França para visitar a minha família em Bragança e sei o quanto custa estarmos longe da família. Se a menina não me levar a mal, eu pago-lhe o bilhete de comboio e a menina vai visitar os seus pais.”

Eu fiquei sem palavras. Eu não sabia o que fazer. Estava incrédula. Quando finalmente falei, disse-lhe que não podia aceitar, que não se preocupasse, pois eu ia para casa. Mas ele insistiu e disse: “Olhe eu não lhe quero fazer mal. A menina vem comigo até à bilheteira, pede o bilhete para a sua terra e eu pago. Simples!” E eu disse: “Obrigada, mas eu não o conheço e não sei como lhe poderia pagar depois!”. “Ora eu não lhe estou a pedir que me pague. Estou a fazê-lo porque quero. Vá lá, despache-se, olhe que perde o comboio e depois é que já não tem alternativa”. E eu aceitei.

Um senhor que eu não conhecia pagou-me o meu bilhete! Incrível! 
Despedi-me dele, agradeci imenso pelo que me fez e enquanto me dirigia para o comboio, só pensava na situação surreal que me tinha acontecido. Embarquei no comboio e, mal tinha chegado ao lugar, vi-o a acenar do lado de fora da janela. Abri-a e ele disse, meio ofegante, “Diga-me o número de telefone da sua mãe! Eu ligo para ela a dizer que afinal embarcou.” Eu dei o número, e perguntei como é que lhe poderia agradecer pelo que me estava a fazer. E ele disse: “Faça o mesmo a outra pessoa”. 

Naquele momento, na paragem, sinto que, talvez pela primeira vez, tive a coragem de me permitir fragilizar-me. E quando pedi ajuda divina, ela veio. Foi uma das situações mais bonitas que já me aconteceram até hoje. Durante todos estes anos, sempre que me lembro deste senhor, digo: “Obrigada meu Deus, obrigada por me teres enviado um anjo”.
CC

sábado, 20 de agosto de 2022

Uma memória feliz

Na minha adolescência, eu tive um coelhinho branco com o rabo cinzento como animal de estimação. A minha mãe fazia criação de coelhos em casa para a nossa alimentação. Um dia nasceu aquele coelhinho, era diferente de todos os outros que eu estava habituada e pedi para ficar com ele, como pet. Ela acedeu, pensando que fosse um pedido temporário e que logo esquecia. Mas eu adorava aquele coelhinho e durante algum tempo (talvez anos) salvei-o de ser cozinhado. Eu adoro carne de coelho, é a que mais gosto, mas aquele nem pensar, cada vez que se falava no assunto, eu chorava e dizia à minha mãe que ‘não’.

Quando ele morreu, e eu não me lembro porquê (mas acho que não foi para a panela!), pedi à minha mãe para guardar o rabo dele como recordação. A minha mãe achou aquilo uma tontaria, mas acabei por ficar com ele. Ela dizia que iria acabar por apodrecer e eu teria de o deitar fora. Então, perfumei-o e guardei-o na minha caixinha de coisas (bugigangas) "importantes".

Ao longo do meu crescimento, de vez em quando lá ia eu visitar o rabinho do coelho, voltava a perfumá-lo e voltava a lembrar-me do coelhinho. Quando fui para a Universidade, fui para longe estudar e levei o rabinho do coelho comigo. Guardei-o sempre. De vez em quando, eu perfumava o rabo do coelho e ele nunca apodreceu.

Já na idade adulta, por muitos anos, deixei de ver o tal rabinho e até esqueci o coelho. Mas, há poucos anos fiz algumas mudanças de casa e, claro, isso implica encaixotar e desencaixotar. Então, sem esperar, voltei a encontrar o rabinho do coelho. E fiquei muito feliz pela bonita memória que me trouxe. Era uma memória feliz da minha infância. E encontrar algo que guardei há cerca de 30 anos atrás, intacto e ainda a manter um leve odor a perfume foi muito gratificante. Foi bom perceber que uma atitude que tive há muitos anos atrás, me trouxe, em recentes momentos difíceis da minha vida, a lembrança de que a vida não é só feita de ‘baixos’, mas também de ‘altos’. 
E, naquele momento, fez-me sorrir.
CC

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

A minha miúda

 A minha miúda. A criança que eu fui. A minha criança interior ... que precisa de ser resgatada.

Resgatar a criança bebé que, ao sair da maternidade aos braços da avó, por a mãe não a conseguir levar, já tinha passado pelo trauma de lhe abrirem os furos nas orelhas e colocarem-lhe brincos, depois do trauma do próprio nascimento ... Essa criança, essa Alma em corpo pequeno, não aceitava a encarnação e chorava dia e noite sem querer comer o leite em pó que substituía o leite da mãe. 

Resgatar, dos dias de tristeza profunda, dos dias de ansiedade, a miúda pequena que estava doente, de cama, com a mente a vaguear por campos de batalha entre o bem e o mal. Como se fossem imensos exércitos de soldadinhos de chumbo, sem face, a preto e branco, e a criança a observar quem iria ganhar, sem tomar partido de nenhum deles ... Assim como, nunca tinha tomado partido de nenhum dos pais nas discussões intermináveis de vitimização recíproca que os dois praticavam com mestria escorpiônica. 

Um quarto com uma cama de criança e uma cama de casal, roupeiro, na porta -- um baloiço feito em corda e madeira, e por cima, um quadro religioso com a Nossa Senhora com o Jesus criança sentado ao colo, à moda ortodoxa. Era esse o cenário dos dias de risadas com o pai e esconderijo no roupeiro deixando os chinelos à porta, e também o cenário dos dias cinzentos em que a menina estava doente a fixar dia e noite o estore verde de tecido enrolado. A única boa notícia desses dias era a visita da avó que vinha do outro lado da casa com a garrafa de aguardente de ameixa, a bebida do orgulho nacional, para lhe dar uma massagem de tratamento para curar o resfriado. Nessas noites longas transformou o medo do escuro, observando as formas gigantescas que as sombras das flores de um vaso, tomavam na luz indecisa da iluminação de rua.

E havia os longos dias de verão, em que havia flores no jardim dos avos, havia tomates e havia fruta, os pêssegos de carne rosada e casca peluda enegrecida pelos fumos de poluição duma cidade de industrias comunistas, criadas com o único propósito de empregar trabalhadores. Nesses dias a minha menina brincava no monte de areia que tinham trazido no quintal e ajudava o avô na sua bricolage, batendo pregos na terra por tudo que era sitio. Mas o mais que ela gostava, eram os animais. Esses seres tão próximos da sensibilidade dela, que olhava e olhe, até hoje, com o fascínio de descobrir o milagre da vida. O pai lhe estava a ensinar que Deus é a Natureza, que Deus está na perfeição das flores, na perfeição da Natureza e ela o reconhecia nos olhos desses seres com quem aprendeu o que é Amar. 

O primeiro animal de coração foi uma galinha. A mãe não querendo que ela tivesse contacto com os cães e os gatos da avó, os afastou todos. Mas a minha miúda adorava animais e com uns 3 anos ligou-se a uma galinha que ficava ao colo dela, para o espanto de todos, pais, avós e bisavós incluídos. Era uma galinha vermelha, grande, que ainda hoje, de olhos fechados consegue sentir o toque das penas e da penugem quente do peito. Não demorou muito tempo e mataram a galinha; um dia a bisavó disse que a tinham comido na canja. Não me lembro se a minha miúda chorou, foi um choque muito grande e quase não queria acreditar, mas foi a partir daí que começou a perceber que não podia contar com ninguém e que o melhor era crescer.

Um dia, já adulta, descobri uma foto, com a minha miúda ao colo da minha mãe. Fiquei muito admirada e triste por não me recordar de ter estado alguma vez ao colo da minha mãe. Diziam que era uma criança grande e pesada e depois de algumas cavalitas às costas do pai, só a avó a levava ao colo, quando estava sentada. E a avó também se deixava pentear o que a miúda adorava. Cedo lhe contaram que essa avó não era a "verdadeira" por a mãe ter sido adotada, mas à miúda pouco se interessava por essas coisas, era essa a avó que lhe dava algum conforto emocional maternal, era essa a avó que gostava de animais e que lhe contava longas histórias da vida dela enquanto cozinhava. Foi dessa avó que recebeu o legado de cuidar de animais, de falar com as flores, de estudar sobre plantas e de cozinhar com gosto e sou eternamente grata.
AM

Raiva

Há meses voltei a ver com maior frequência uma pessoa que já não via há muitos anos. No primeiro reencontro, casual, ela cumprimentou-me, perguntou sobre mim e família e basicamente dei por mim a “despachá-la”. Sentia-me muito desconfortável por estar na presença dela. Sentia raiva. E o meu corpo ficava todo contraído, rígido mesmo. Passado um tempo, voltei a encontrá-la e ela tentou nova abordagem de forma mais prolongada. Novamente senti aquela raiva e tentei escapar da situação mal pude, chegando a ser até um pouco agressiva com ela. E este padrão ainda se repetiu algumas vezes. Ela nunca questionou nada sobre a minha atitude. Talvez nem se tenha apercebido.

A certa altura, dei por mim a pensar sobre o assunto. Porque sentia eu esta raiva quando estava na presença dela? Afinal, em todos os nossos encontros, ela foi sempre cordial, amável e nunca houve motivos que me fizessem ficar assim. Parecia genuinamente interessada em saber que eu estava bem. Então porquê? Eu sentia que era errado sentir-me assim sem motivos, mas não conseguia evitar, era mais forte que eu. Lembrei-me de uma frase que ouço a Alex Solnado dizer muitas vezes “a raiva é o airbag da tristeza” e pensei: “Será que isto vem do nosso passado? Algo que aconteceu? Alguma situação mal resolvida?” E andei uns dias a pensar nisso.

Há três semanas, sem esperar, lembrei-me de um episódio de infância ocorrido entre nós e outros miúdos em que ela liderou uma situação de humilhação relativamente a mim. Eu era muito tímida e não consegui falar, defender-me e fiquei tremendamente triste, fugi para casa e chorei durante muito tempo. Estava aí o motivo. Encontrei. Afinal, a raiva que eu sentia atualmente era uma tristeza recalcada, refreada. Como nunca confrontei os miúdos, ou ela em particular, como nunca enfrentei a situação dizendo como aquilo me fez sentir, acumulei tristeza que se transformou em raiva. Por isso, pensei que nunca era tarde para se falar sobre as situações e quando a encontrasse, falaria sobre isso. Ela, com certeza, se lembraria do que fez. Afinal é algo que não se esquece! Foi grave!

Como acredito no destino, dias mais tarde voltei a encontrá-la no supermercado. E desta vez, ganhei coragem e de forma animada e até um pouco irónica abordei a questão das “marotices que fazíamos” em criança. E disse-lhe: “Olha, por exemplo, como aquela vez que tu e os outros miúdos….” e descrevi a situação. E ela, com a boca aberta, olhava para mim como se eu estivesse a contar algo que nunca aconteceu, cena de filme, talvez. E disse: “Ah, eu fiz isso? A sério? Não me lembro?” Eu respondi que sim e, sempre a sorrir, até dei mais alguns pormenores, acabando por dizer que tinha ficado muito triste. E ela continuou: “Mas olha que não és a primeira pessoa a contar-me traquinices que eu fazia e eu nunca me lembro de nada. Eu devia ser mesmo mázinha! Olha, tu desculpa se eu fiz isso, mas nós fazíamos tanta parvoíce e não era por querermos mal uns aos outros. Tu desculpa lá!” E depois disto, quem ficou com a boca aberta fui eu!

Naquele momento, a minha raiva desapareceu e o meu corpo deixou de estar contraído. E dei por mim a pensar que há momentos na nossa vida que andamos a pensar tão mal uns dos outros e que achamos que as pessoas não gostam de nós ou que são más pessoas e, por vezes, são apenas mal-entendidos, falhas de comunicação, formas de agir diferentes. E veio à minha mente, que, provavelmente, também poderá haver pessoas que atualmente sentem raiva de mim e pode ser por algo que eu nem sei que fiz, mas para elas teve uma importância enorme. É por isso que a comunicação é tão importante.

Muitos problemas emocionais levam a somatizar problemas no corpo – doenças. Algumas vezes nem percebemos a origem daquela doença. Podem ser questões mal resolvidas, como esta. Vale a pena pensar nisso! Quando eu sinto raiva, se eu penso que é errado sentir isso, eu estou a julgar, a julgar-me e, inconscientemente, vou amplificar essa emoção e fico com mais raiva ainda, primeiro porque estou a sentir aquela emoção de raiva e depois porque sinto frustração por estar a sentir raiva. Isso acaba por acumular-se no corpo e ao longo do tempo podemos ficar doentes. 

Contei uma situação que aconteceu com alguém que estive muitos anos sem ver, mas podia ser com alguém da nossa família, que vemos todos os dias e, por não conseguirmos comunicar com ela e resolver as situações quando surgem, ao longo do tempo, passa a manifestar-se um problema físico derivado da emoção de raiva acumulada no nosso corpo.

O meu percurso de autoconhecimento tem sido uma enorme mais-valia para conhecer melhor o que sinto e como isso me está a afetar. Olhar para dentro de mim, escutar-me, escutar o meu corpo, tem ajudado a tomar consciência de problemas que não sabia que ainda estavam a afetar-me. Tenho conseguido ultrapassar algumas situações, mas o caminho faz-se caminhando. Por isso, irei continuar. Deixo a minha receita: 
Uma meditação por dia, nem sabe o bem que lhe fazia!
CC

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Duas gatinhas

Desde pequena sempre tive cães e gatos. E lembro-me de pensar muitas vezes que seria muito engraçado se eles falassem connosco. Então, dava por mim a olhar nos olhos do cão ou gato para ver se havia uma espécie de comunicação telepática e, de repente, eu entendia o que ele me dizia. Mas nunca aconteceu.

Tenho imensas histórias com animais de estimação, mas quero contar duas histórias com gatinhas para mostrar a forma como as duas foram importantes para mim por motivos diferentes.

A certa altura na infância, convivia connosco uma gata preta e branca - a Bita - que era parideira. Tinha ninhadas atrás de ninhadas. Foi uma gata de rua que a minha mãe acolheu já adulta. Ela não gostava muito de carinhos nossos, fugia quando nos aproximávamos dela. Mas, no entanto, fez da nossa casa a sua morada permanente ou para onde voltava mais vezes. Durou muitos anos - 15 ou 16 anos. A certa altura, talvez por ter sido mãe muitas vezes, acabou por adoecer com um problema nas maminhas e o fim começou a aproximar-se. Um dia bem cedo, cerca das 6H00 da manhã começou a miar muito alto no pátio. Como não era costume, eu e o meu irmão decidimos nos levantar e ver o que se passava. Ela deixou-nos fazer ‘festas’ (carinhos), mas não saía do mesmo sitio e continuava a miar e a olhar para a porta para ver se a minha mãe aparecia. Quando ela chegou, a gata, sempre a miar, fez com que a seguíssemos e deitou-se a um canto, muito fraca. A nossa mãe explicou que ela estaria a morrer e que nos foi chamar para se despedir de nós. Claro que começámos a chorar. Ela estava a deixar-nos fazer ‘festas’ enquanto miava de dor e de tristeza, cada vez mais baixo (como que desistindo e se despedindo) enquanto nós continuávamos a chorar. Foi um momento muito doloroso para mim, por isso me lembro. Pouco tempo depois (talvez minutos, já não sei precisar) ela acabou por morrer ali na nossa presença. Isso foi algo que me comoveu para sempre e foi aí que tive a minha prova de que os animais comunicam connosco à sua maneira.

Também acredito que os gatos têm uma missão espiritual para com o ser humano. Há quem diga (e eu acredito) que quando um gato escolhe o seu dono é porque o deve proteger, porque tem uma divida kármica com ele que vem de vidas passadas. E isso foi o que aconteceu com a minha atual gatinha. Foi ela que me escolheu. 

Bom, então, depois de ter tido uma má experiência com um gato (mas isso fica para outra altura), eu decidi que não queria mais animais. Até porque vivia num apartamento, passava muito tempo fora de casa e achava injusto ficar um animal sozinho o dia todo fechado. Passados dois meses de ter tomado esta decisão, planeei um fim de semana com o meu filho a um local onde nunca tínhamos ido. Nessa manhã de fim de semana, fomos até ao farol e o mar estava bravo. De repente, ouvimos e vimos uma gatinha muito pequenina (2 meses). Pegámos nela e tentámos logo ali procurar donos. Mas sem sucesso. O meu filho pediu para ficar com ela, mas eu recusei. Levei-a ao veterinário para ver se ele a acolhia, mas não. Mais tarde, tentei que algum amigo do meu filho ou algum aluno meu ficasse com ela, mas não. Bom, comecei a intuir que ela deveria ficar connosco e com mais ninguém. Assim foi. Foi crescendo connosco e agora é a minha outra ‘filha’. Ela é o animal mais querido que já tive até hoje. Com ela, aprendi a conectar-me novamente com os animais: dá-me muitos carinhos (lambidelas) e eu retribuo os carinhos, ela dorme comigo (algo impensável anteriormente), aprendi a “falar gatês”, pois respondo a todos os tipos de miadelas que ela faz (é muito engraçado entender os diversos sons que ela faz para comunicar comigo), aprendi novamente a amar! Uma gatinha tigrada que é perfeitamente comum conquistou um lugar bem especial no meu coração. 

Eu ficaria muito triste se ela desaparecesse e isso aconteceu há duas semanas. Agora já não vivo em apartamento e como ela é caçadora, de vez em quando, vem oferecer-me presentes: passarinhos, ratinhos, osgas, enfim. Outro dia aventurou-se mais e, como não me deito sem ela, andei até tarde à sua procura. Não a encontrei e fiquei muito triste. Juro que pensei que ela já teria cumprido a missão que tinha comigo e que chegou a hora de ir embora. Mas, felizmente, esteve desaparecida cerca de 24 horas e voltou. Acho que foi um alerta para eu entender que ela não é minha e que a qualquer momento, pode partir. Tenho de aprender a desapegar. 
Na semana passada voltou a desaparecer e agora já entrego ao céu. Vai ser o que tiver de ser. 
Vou tentando usufruir da sua companhia enquanto tenho a bênção de a ter na minha vida. 

É bonito saber que temos pequenos anjos que nos são enviados com determinado propósito, mas a maior parte das pessoas nem pensa nisso e, mais, a maior parte acha que "é dono de um gato", mas é ao contrário, o gato é que "é dono de um humano" porque tem como responsabilidade ensiná-lo, protegê-lo, trazer-lhe ensinamentos, entre outras coisas.
CC

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Somos todos um

Esta semana estava a fazer umas arrumações no jardim (Foi a forma que encontrei naquele momento para estar um pouco sozinha e poder falar comigo). Estava tão absorta nos meus pensamentos que, de repente, quando olhei para o gradeamento da minha casa, vi do lado de fora uma pessoa que nunca tinha visto. Apanhei um susto. Era um senhor muito pálido, com ar doente. Olhei para ele e pensei: “Bom, ele deve estar ali apenas a observar”. Mas nesse momento, ele chamou-me: “Chegue aqui!” E eu senti um aperto no meu coração. Achei que era medo e não me aproximei. Apenas disse: “Diga? O que deseja?” E ele, a medo, começou a sussurrar: “Sabe, ali naquela casa, elas ouvem as nossas conversas…”. Perplexa, eu fiquei a observá-lo sem conseguir dizer nada, como se tivesse um nó na garganta. Mas em segundos, uma senhora aproximou-se dele e, meigamente, pediu para ele a acompanhar. Ele foi, sem resistir. (Na minha rua existe há muitos anos um lar de idosos e eu nunca tinha visto nenhum dos utentes que reside lá).

Naquele momento, fiquei parada a olhar enquanto ele se afastava e ia pensando: “O que se passou aqui? Porque veio este senhor ter comigo? Qual será a mensagem que é suposto eu receber?” E por uns segundos, talvez minutos fiquei a meditar sobre este acontecimento. De repente, intuí o seguinte: “Já pensaste no que se pode passar de doloroso dentro de lugares como este? Já pensaste em todos os seres humanos que vivem e terminam a sua vida terrena nestes locais, afastados das famílias, deixados ali porque as suas famílias têm vidas apressadas, e acabam, por vezes, por ser proibidos de falar, de ter escolha, de viver! Como será que se sentem? O que se passa nas suas mentes?” Senti um aperto no coração ainda maior que o anterior. Então percebi. O primeiro aperto não foi medo, foi dor. Era como se eu tivesse sentido a dor que aquele senhor sentia, era como se ele quisesse falar, quisesse exprimir-se e não conseguisse.

Senti uma tristeza que me fez pensar: “O que posso eu fazer?” Então, naquele momento parei o que estava a fazer, olhei para o céu, e comecei a pedir aos meus queridos seres de Luz que enviassem muita luz para aquele local. Olhei para o edifício e enquanto, na minha intenção, pedia Luz, subtilmente parecia que via uma energia densa a deixar o local. Demorou algum tempo e fui sempre pedindo ao mundo espiritual que ajudasse aquele local a ficar mais preenchido com a sua infinita Luz.

Firmei um compromisso comigo mesma de que, todos os dias, enviaria luz na minha intenção para aquele local, enquanto sentisse que teria de o fazer. 

Este relato pretende lembrar a cada ser humano que “somos todos um”. Todos nós temos uma missão de auxilio ao outro e todos podemos ajudar. Se ajudo alguém, estou a ajudar a mim mesmo, porque a vida é como um espelho. Ela reflete aquilo que lançamos para o Universo. Como podemos ajudar? Não precisa ser ajuda financeira! Que tal disponibilizarmos um pouco do nosso tempo para conversar com quem se sente só? Ou, quem pretender, pode, na sua intenção, enviar Luz para melhorar a energia de quem está mais frágil. Podemos começar pelos que nossos entes queridos, mas se o fizermos a um desconhecido, fazemo-lo a nós próprios e estamos a ser abençoados por isso.
CC

terça-feira, 16 de agosto de 2022

A borboleta

A minha casa de banho tem uma pequena janela que costumo abrir todos os dias, cerca de 5cm. Há uns meses, de manhã, entrei e de repente deparo-me com uma borboleta no tapete. “Oh que bonita, como vieste aqui parar?”, disse eu. E de imediato olhei para a pequena abertura na janela e concluí que tivesse sido por ali.

Pensei logo em tentar pegar nela e largá-la novamente na natureza, mas nem tive tempo de agir, porque a minha gata entra de repente na casa de banho, dá um salto e pisa as asas da borboleta com uma das suas patas. Não foi propositado, pois ela nem reparou no bichinho, apenas estava a tentar chegar à janela para se sentar a observar os pássaros. No entanto, fiquei muito triste porque pensei que a borboleta tivesse morrido. Tentei pegar nela e reparei que ainda estava viva. Tinha uma asa quase totalmente desfeita e a outra estava menos danificada. Apesar de frágil, ela andava na minha mão. Então levei-a assim para o jardim da casa e larguei-a numa das flores, na esperança de que ela se salvasse. Ao longo do dia, de vez em quando, olhava para a flor para ver se ela já teria voado, mas não. Ela permanecia sempre lá, na flor, na mesma posição. No inicio da noite, quando voltei a olhar para a flor, não a vi e pensei que poderia ter recuperado as forças e lá se teria deslocado.

À noite, quando me fui deitar, ao entrar na casa de banho vi novamente a mesma borboleta no mesmo local do tapete. Era a mesma porque as asas estavam em má condição. Ali estava ela parada como se estivesse à minha espera. E o mais incrível, a janela estava fechada. Corri a perguntar à minha mãe quando é que ela tinha fechado a janela. Sem perceber o motivo disse-me que talvez no meio da tarde ou no final da tarde. E eu fiquei estarrecida. Montes de perguntas, informações vinham à minha cabeça: “Como é que ela entrou na casa de banho se a janela estava fechada? Mesmo que a janela estivesse aberta, como é que ela conseguiu voar, desde a flor onde a deixei, a uma distância tão grande com as asas assim magoadas?” Mesmo que tivesse vindo a deslocar-se com as patas, sem voar, teria de iniciar a sua viagem muito tempo antes para conseguir chegar novamente ao tapete. E isso não me pareceu exequível. “UAU. O que se passa aqui?” Então, peguei nela com extremo cuidado e com ela na minha mão, perguntei: “O que queres de mim? Vieste entregar-me uma mensagem?” E de repente, pareceu-me ouvir a voz da minha intuição dizer: “Transformação”.

No momento fiquei mais preocupada em ajudar a borboleta e escrevi uma mensagem num dos meus grupos de WhatsApp a relatar o que me tinha acontecido e perguntava se saberiam como ajudar a borboleta pois parecia-me tão frágil que estaria quase a morrer. As respostas das amigas foram interessantes: A borboleta é um bichinho que passa por uma enorme transformação desde lagarta, crisálida até borboleta. É também vista como uma criatura divina. Então foi-me dito que a minha borboleta me veio entregar uma mensagem divina e que agora que a mesma tinha sido entregue, ela poderia partir, pois já tinha cumprido a sua missão. Imediatamente lembrei-me da palavra que intui: “Transformação”.

Eu tinha iniciado o meu processo de autoconhecimento uns meses antes e, na altura do acontecimento, estava a passar por uma fase complicada de dúvidas existenciais, medo de falhar, falta de merecimento. E aquela mensagem fez eco com o que vinha perguntando a mim mesma há algum tempo. Foi uma mensagem ainda mais poderosa e extremamente profunda e emotiva para mim, porque há muitos anos que me recusava a ter fosse o que fosse em casa que tivesse borboletas: roupa, decoração, desenhos, etc. Inconscientemente, eu achava que as borboletas davam azar. E esta borboleta veio trazer-me paz e fez renascer o meu respeito pela beleza que elas representam a todos os níveis.

Por vezes estamos tão desconetados da realidade que não nos apercebemos que o céu comunica connosco em todos os momentos através de sinais, através das coisas mais simples e belas da natureza, mas sempre usando algo que saiba que nós (e só nós) saberemos o significado.
CC

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Pinceladas

Comecei a fazer traços com o pincel aos 3 anos quando os meus pais improvisaram um pincel com fios do meu cabelo. Lembro me misturar com água as cores das aguarelas e passar no papel branco. Era pura magia. Antes de saber escrever, o que aconteceu só com 7 anos, na escola, já sabia usar o pincel, desenhar e fazer pequenas contas com números. A minha mãe, por divertimento, me tinha ensinado escrever números, somar e subtrair. O desenho fez sempre parte do meu universo íntimo e os meus pais me incentivaram e ao mesmo tempo deixaram bem claro que o ideal era eu ter uma profissão estável que servisse muitas pessoas, e que a arte ficasse para hobby. Segui ciências exatas e nos meus tempos de faculdade, na Roménia, passava dias nos museus e a desenhar e pintar nos parques. Com a vinda para Portugal, nos primeiros anos tive que deixar a arte só no meu interior, mas logo que consegui recomecei a materializá-la. Quando comecei o doutoramento fiz um presente a mim mesma : inscrevi me no curso de iniciação ao desenho na Sociedade Nacional de Belas Artes. Tive a sorte de ter aulas com o escultor Quintino Sebastião. Ensinava "a linha dos 5 segundos" : enquanto o modelo se movimentava, deveria apanhar um movimento que vibrasse comigo e sem tirar os olhos do modelo, deixar a mão desenhar uma linha contínua, durante 5 segundos. Essas aulas de desenho, com modelo em movimento, mudaram me por dentro. Levaram me ao autoconhecimento e a perceber que eu era muito mais do que lógica e raciocínio. Segui os quatro níveis (anos) de Iniciação ao desenho e algumas aulas de modelação em barro. Adorava traços, coloridos ou não, e inscrevi me outra vez no curso a partir do segundo ano. Adoro a maneira delicada como se pega num pincel ou num lápis para desenhar, que é bem diferente da maneira certeira como se pega a caneta para escrever. Quando acabei, pela segunda vez o curso, o professor Quintino decidiu afastar-se da SNBA. Um dia, ao perguntar lhe como desenvolveu este método de desenho, sem receitas e ensinando sobretudo a observação da realidade, indicou me o livro "The natural way to draw" de Kim Nicolaides. Fiz um pós doutoramento de 3 meses em Paris e aproveitei plenamente : nos fins de semana ia para museus desenhar, horas e horas. Um dos meus preferidos era Musée de l'Armé onde desenhava armaduras. Nessas viagem encontrei, como por acaso, uma revista com um capacete de armadura que me fascinou tanto, que o modelei em barro. Aí começou a minha grade paixão pelo modo de vida cotidiana na idade média incluindo a culinária. Comecei um curso de escultura nas Caldas da Rainha em que aprendi a passar o capacete em barro para resina e bronze, mais tarde um curso de cerâmica e mais recentemente um curso de vitrofusão. As minhas peças e instalações provavelmente não são aquilo que alguém gostaria de ver a sua frente todos os dias mas, saíram do meu coração e da minha intuição e me ajudaram a trilhar o meu caminho. 

AMT

Quem sou eu?

Deixem que me apresente.

O meu nome é Carla e logo desde pequena defini o que queria ser. “Quero ser professora”, dizia eu frequentemente. Aos 4 ou 5 anos já obrigava o meu irmãozinho, mais novo que eu, a sentar-se e a fazer os trabalhos de casa. Eu ensinava e ele tinha de aprender. Em vez disso, chorava, claro, era pequeno demais para tal coisa. 
Sempre adorei fazer o papel de professora. Mas também adorava aprender. Absorvia tudo com muito interesse, principalmente, se fossem temas que eu gostasse. E cresci com essa mesma avidez. Hoje sou professora, mas também continuo a ser aluna – sempre que possível.

E a escrita? É a minha paixão. 
Fiz o meu primeiro poema aos 10 anos, poema que guardo até hoje. E desde que me lembro que dizia que queria ser escritora. E tinha uma imagem bem real de como seria. Imaginava-me a viver num local ermo, uma quinta num local bem harmonioso e rodeado de natureza enquanto teclava na minha máquina de escrever o próximo livro a ser publicado nas livrarias. 
O amor pela escrita acompanhou-me sempre, escrevi muitos poemas durante a minha adolescência e até hoje fui escrevendo sobre alguns temas e fui guardando, fui colocando algumas ideias no papel. Nada publicado. Ainda. 
Quem sabe um dia…
CC

domingo, 14 de agosto de 2022

Introspeção

Sempre tive dificuldade em exprimir as minhas emoções. Desde miúda. Esse universo da emoção, só meu, me levava para uma tristeza profunda e muitas vezes para o desespero. E para mim o desespero era algo que não passava, algo que não tinha remédio. Deixava-me ir com a emoção, eram dias sombrios, em que a criança que eu fui sentia uma ansiedade enorme, uma tristeza profunda. Deixava-me ir sem saber sair. 

Sentia me profundamente indesejada e a observação do meu pequeno mundo me levou a acreditar que as pessoas só tinham filhos por acidente, ninguém os desejava a não ser para os ajudar na velhice. 

Um sentimento muito profundo de não poder contar com ninguém acompanhou me desde que tive a consciência de ser gente. Esse sentimento veio naturalmente despoletado pela relação com a minha mãe. Vivi até à idade adulta a achar que, por um lado, isso era normal, e por outro lado, quando vislumbrava a anormalidade da situação, a sentir uma grande vergonha que me fazia guardar a realidade só para mim. 

Os meus pais não questionavam, desde que eu fizesse o que era suposto -- ir à escola e estudar. Visto agora, a escola, e tudo o que vinha a aprender, me levavam para o campo da matéria, onde necessariamente, era preciso sair do Lago Negro da emoção. Sem processar, essa emoção ficou coagulada pelo corpo a espera de ser libertada pelas lagrimas que caiem agora ...

Eu adorava a escola, adorava estudar, observar, aprender as leis da matéria. Lá, ficava concentrada, ficava fascinada e a conseguir levar esse desejo de conhecer para
a natureza à minha volta. Observava os animais, esses seres tão genuínos que me davam o Amor que eu não tinha antes conhecido. O Amor que eles davam às crias e que nas breves vidas deles alimentava uma eternidade.

Olhar a perfeição da natureza trazia me a alegria, até diria, a felicidade. A escola era também sinônimo de sair de casa, da atmosfera de controlo e constrangimento, umas horas por dia. E eu gostava e sentia a como uma porta por onde entrava a brisa fresca.

Fez sempre parte da minha natureza mais profunda saber aproveitar o melhor do que o Universo me oferece e o mais importante foi não me esquecer de mim. Decidi escrever, para me libertar dos fantasmas do passado e para honrar a minha Alma. E talvez para inspirar outras pessoas e mostrar que é possível.

Começa hoje esta aventura de abertura da Alma.

Tenho o bom quentinho no peito !  

AMT

Emoções

Um dia um ser muito especial disse-me que eu deveria escrever sobre mim. Sobre emoções. É um ser que me conhece muito bem e por esse motivo fiquei a pensar nas suas palavras.

Então eu deveria escrever sobre mim? Sobre o que sinto? Eu devo mostrar ao mundo as minhas emoções? As minhas virtudes? Fraquezas? Alegrias? Tristezas? Isso é algo muito difícil. Vai contra tudo o que aprendi. Eu vou ter de me expor? E que interesse pode ter o que sinto para os outros?

Sempre fui ensinada desde pequena que temos de esconder as nossas emoções, os nossos pontos fracos. Eu tinha de mostrar ao mundo que conseguia “matar um leão por dia” mesmo que, por dentro, estivesse a sangrar de dor. E agora estava a ser-me pedido que falasse sobre mim?

Foi um processo de decisão longo. Meses. Mas, por fim, ainda sem certezas, resolvi começar. Assim inicio aqui a minha escrita sobre emoções e sobre situações. Vou falar sobre o que me aconteceu e como isso me afetou. Sempre que possível sem filtros. Vou escrever a verdade.

Sem pensar no que os outros podem pensar de mim, penso antes no que eu posso ajudar os outros falando sobre mim. E isso conforta-me. Motiva-me. Assim, falar de emoções é mostrar ao outro a melhor caraterística do que significa ser humano. E por isso, vale a pena, me expor.
CC